DFCP

DA CULTURA PATERNALISTA COMUNISTA

À CULTURA DEMOCRÁTICA OU DAS AUDIÊNCIAS

Vi num filme uma cena espectacular que muito me fez pensar: Alberto Sordi mais a sua gordinha esposa encontram-se no Bienal de Veneza a cumprir um programa de férias culturais organizado pelos seus intelectuais filhos. Olhavam embasbacados para um painel todo branco e faziam os seus comentários em contradição com um cicerone poético-intelectual. Uns óculos espetados num muro eram comentados como estando fora do lugar. Mas o cicerone encontrava inteligentes justificações. Encontraram-se entre ovelhas, pensavam que se tinham perdido e ouviram o cicerone com a sua explicação das estátuas vivas.

Imaginei a reacção da maioria dos portugueses ao visitarem o monumento de João Cutileiro que mais parecem umas pedras sobre outras ao acaso no Parque Eduardo Sétimo. Como reagiriam ao saberem os milhares de contos dos seus impostos que foram para pagar aquilo a que chamam escultura e obra de arte? E ao saberem que o Ministro da Economia Sousa Franco lhe perdoou 50 mil contos de IRS? Não seria mais justo perdoar mil escudos a 50 mil contribuintes que ganham 2 ou 3 mil contos por ano do que perdoar 50.000 contos a quem ganha centenas?

Recordei-me de quando fui actuar a um Festival Mágico em Sófia, Bulgária, onde obtive o "grand Prix" de 1984. Um universitário mostrou-me a principal praça com um monumento ao centro que se não eram os pedras sobre outras era qualquer coisa que não me dizia nada nem ao meu acompanhante. Também ele se sentia escandalizado pela fortuna astronómica que o Estado tinha pago ao artista que a concebera.

Recordo-me de quando fui actuar à então Alemanha comunista, deve haver uns vinte anos. Actuei integrado na principal tournée nacional de variedades. Disseram-me que os resultados da bilheteira de salas esgotadas onde eu actuava só davam para pagar 10% do custo do espectáculo. Hoje vejo os meus impostos a pagarem espectáculos que só interessam a minorias que não pagam a décima parte dos custos.

Nessa altura eu punha a questão de saber se o mundo caminharia para o comunismo ou capitalismo. Nunca esperei que a Rússia e os paízes do Leste comunista se tornassem capitalistas e os capitalistas se tornassem comunistas pelo menos no aspecto cultural. No funda a questão pôe-se nestes termos: no comunismo há uns indivíduos eleitos pelo partido que decidem o que é cultural e o que as massas devem consumir, quem recebe dinheiro para fazer filmes; no capitalismo os produtos e a oferta cultural vai ao encontro das necessidades da maioria com meios de os comprar. No comunismo havia uma cultura paternalista com as hierarquias a decidirem o que se oferecia a alguns com os impostos de todos, tal como na actual cultura da Expo ou da maioria dasr actividades patrocinadas e programadas pelo Estado. No capitalismo há a verdadeira cultura democrática das maiorias, (ou das audiências na televisão), na medida em que os produtores de cultura procuram o lucro e este resulta do facto de a obra cultural ir ao encontro das maiorias que podem pagar.

Em Portugal hoje há espectáculos subsidiados pelos impostos sobre outros espectáculos. É uma forma indirecta de paternalismo estilo comunista: pessoas do poder político decidem pagar com o dinheiro dos contribuintes certos espectáculos e penalizar outros com impostos. Isto pode ter a sua justificação se os senhores que estão no poder forem eleitos democráticamente e forem os autênticos representantes da maioria e dos seus interesses.

Mas o problema pôe-se na forma como se processam as eleições, ou mais concretamente as propagandas das eleições: no Brasil um Presidente foi eleito comprando uma luxuosa campanha publicitária paga com o compromisso de retribuir com a corrupção futura. Enquanto Sampaio era  Presidente da Câmara de Lisboa usaram-se páginas inteiras de vários jornais nacionais para dizer a todo o país que tinha composto uma rua. Um indivíduo que usasse melhor o dinheiro dos contribuintes para compor duas ruas e não fizesse tanta publicidade talvez tivesse mais mérito para se tornar Presidente da República.

Teoricamente as democracias são o poder do povo. Mas quantas vezes o poder do povo não passa de uma farsa na medida em que os votos são comprados com a publicidade desleal de quem mais corrompeu, assambarcou recursos naturais de todos ou usou os próprios impostos dos contribuintes ilegalmente ou mesmo legalmente mas imoralmente? Quantas vezes a publicidade não é uma forma de corromper ou adulterar os meios de informação?

A cultura patrocinada tanto pode ser um prémio justo para quem o merece e uma retribuição do poder público para quem teve uma acção cultural ou social importante como um meio de corrupção, de pagar favores de difusão ideológica que pode não ser a melhor.

Não havendo corrupção pelo meio há uma certa lógica em patrocinar os melhores e mais populares porque daí resulta popularidade para o patrocinador. Pode haver uma cumplicidade benéfica: o político dá aos contribuintes o melhor que pode com os seus impostos. Da satisfação da maioria resultará em contrapartida mais popularidade e mais votos.

Mas quantas vezes a cultura não será um pretexto para fazer comprar ou pagar favores? Quantas vezes não será um meio de corrupção?

Segundo um jornal, (cf. Couve Literária do Jornal do Fundão de 1.1.1998) um político bem conhecido arranjou um tacho de trinta mil contos a uma conhecida escritora que em 4 anos não fez nada. Entre outras medidas polémicas salienta-se o facto de ter dado trinta mil contos a uma brasileira, (com a qual saiu algumas vezes), por uma peça discutível.

Pires Portugal, (e-mail: piresportugal@hotmail.com).