TIST
ITÁLIA E SEUS QUERIDOS CRIMINOSOS:

SÍLVIA BARALDINI, A SANTA TERRORISTA

    Uma das principais notícias de todos os telejornais e de primeira página nos jornais de 11.06.99 em Itália dizia: Sílvia Baraldini, condenada nos USA a 43 anos de prisão por associação a delinquir em grupos terroristas que causaram 3 homicídios de dois polícias e um guarda jurado num assalta a um porta-valores, sequestro de pessoas, roubos, obstáculo às investigações, etc.,  regressará em breve para acabar de cumprir o resto da sua pena em Itália, depois de 16 anos de prizão nos USA. O Presidente do Conselho D`Alema e o Embaixador dos USA apareceram na televisão a dar a grande notícia.
     Num momento em que acaba uma guerra com milhares de mortos e em que 5500 militares italianos vão entrar no Kosovo numa missão de paz e de limpar as minas da guerra, uma terrorrista muito querida dos italianos torna-se centro de atenções. Recordo que houve 6 pedidos de extradição, 5 recusados dos USA porque o sistema prisional italiano não garantia o cumprimento das penas. Vários Presidentes italianos intervieram com petições pessoais especiais junto de Presidentes dos USA. Antes da guerra no Golfo Andreotti falou com o Presidente americano e segundo os meios de informação quase pareceu que a transferência da terrorista para Itália era mais importante do que a guerra do Golfo onde depois italianos perderam a vida. Quando D Alema foi ao vértice da NATO e se encontrou com Clinton sobre a participação italiana na guerra da ex-Jugoslávia e o problema de um avião americano que cortou os cabos de um telesférico causando 33 mortos em Itália, segudo transpareceu dos meios de informação, a terrorista foi usada como moeda de troca. É quase como quem diz: USA não indemniza Itália pelas mortes e danos do avião americano, os soldados italianos morreram na guerra do Golfo como heróis ao lado dos americanos, vão combater ao lado dos americanos e morrer se necessário mas a nossa querida terrorista deixa de ser alimentada pelos impostos dos americanos e passa a ser alimentada pelos impostos dos mais honestos contribuintes italianos.   

  Nos dias seguintes a Baraldini continuou a ser notícia como uma heroina e mártir dos bárbaros americanos que torna ao paraízo dos criminosos. Um partido comunista italiano difundiu um comunicado de bem vindas à sua querida terrorista terminando: "... te abraçamos todos". Andreotti está a ser julgado com a acusação de ter beijado um chefe da  mafia. Se mudam os ventos condenarão os comunistas por abraçarem uma terrorista? Ou um suposto beijo de Andreotti a um mafioso é maior crime do que um abraço a uma terrorrista confessa e condenada? A recepcção a uma terrorista como se fosse uma santa, uma heroína, não contribuirá ao aumento dos crimes de terrorismo?
     Numa Itália em que recentemente foi assassinado um político pelas Brigadas Vermelhas e morreram não sei quantos num assalto a um porta-valores, esta recepção triunfal a uma terrorista que na América fazia parte de um grupo terrorista que matou 3 guardas num assalto a um porta-valores e a uma prizão, não será uma ofensa às vitimas do terrorismo?
      No dia 12.06.99 nos noticiáros televisivos continuou Beraldini a ser notícia como uma heroina terrorista que regressará em Itália: uns partidos acusam os comunistas de terem antecipado a notícia do seu regresso para terem vantagens eleitorais na votações para o Parlamento que se realizam no dia seguinte. Por outras palavras parece que os partidos da direita estão com ciúmes daqueles abraços do comunicado dos partidos comunistas que se anteciparam e lhe trazem votos. Não compreendo como os mais honestos contribuintes possam dar votos a políticos que perderam o seu tempo para usarem o seu dinheiro para alimentarem uma terrorista que poderia ser alimentada com os impostos dos americanos. O que mais me surpreende é não encontrar uma opinião contrária a esta recepção triunfalista da terrorista italiana: nem as vítimas do terrorismo italiano, nem os intelectuais mais anti-criminalidade.
    Quando uma personagem è popular basta dar um passo para aparecer com destaque nos telejornais e nas primeiras páginas dos jornais. Assim acontece em Itália com a Baraldini: o Procurador geral transmitiu o fascículo da condenação ao presidente da Corte de Apelo e aí está a notícia de que tornará em Itália dentro de um mes. Um asssunto de pura burocracia administrativa torna-se assunto de destaque nos noticiários e de primeira página nos principais diários. O jornal "La Repubblica de 16.06.99 dá-lhe fotografia a cores na primeira página e uma entrevista no cárcere que ocupa toda uma página. Salienta-se a letras grandes a sua declaração de que não se sente mercadoria de troca para a guerra e para o processo das indemnizações das famílias das 33 mortes do acidente causado pelo avião americano. De facto transpareceu das notícias publicadas que serviu politicamente para contrabalançar as negociações da guerra e do processo do acidente. Ao contrário de alguns fans da Baraldini que de Itália proclamam a sua inocencia e a crueldade e injustiça dos tribunais americanos, ela reconhece a sua culpa de ter cometido reatos contra o Governo dos Estados Unidos e de ter pagado. Salienta que muitos terroristas se tornaram Presidentes: Mugabe, Mandela. Guccini dedicou-lhe uma canção que se tornou popular. Até nisto se vê como é querida de muitos italianos.
    No dia 08.07.99 as burocracias do Procurador Geral e do Ministério da Justiça deram mais um passo para o retorno de Baraldini em Itália e os meios de informação parece que estão à espera que dê um peido para fazerem uma notícia. (Cf. : "La Repubblica", p.20 e "Il Manifesto" toda a segunda página, "Il Giorno, p.2, etc.). Toby Emmer, preza em 1995 na manifestação de protesto "forth of July", coordenadora do "Committee for transfer of S. B. in Italy", (11 anos de pressão sobre a opinião pública e solidariedade com Silvia Beraldini.), fez elogios à sua sensibilidade. Não me consta que essa sensibilidade se tenha manifestado face aos 3 assassinados pelo grupo terrorista de que ela fazia parte. Sílvia Baraldini elogia o humanismo da prizão italiana para a qual será transferida mas lamenta-se que não tenha ar condicionado, (Cf.: Il Manifesto). No mesmo dia e na mesma página da notícia da Baraldini, "Il Giornale" dá a notícia de que um desocupado que vive na miséria sem luz nem água quiz fazer-se prender porque esstaria melhor na prizão do que em sua casa mas para sua desilusão só foi condenado à prizão domiciliária. Quantos escravos dos mais honestos contribuintes trabalham dia e noite para viverem pior do que a Baraldini que se queixa de não ter ar condicionado na prizão? Entretanto a mafia continua a matar e a viúva do político assassinado pelas Brigadas Vermelhas lamenta-se que estão a esquecer o seu marido.
    No dia 17.08.99 anuncia-se que Silvia Baraldini, (S. B.) regressará a Itália no dia 25.08.99. Talvez porque entretanto alguns criminosos em prizão domiciliária assaltaram várias joalharias e mataram vários inocentes originando uma manifestação popular a Milão contra a criminalidade, não se deu muita importância à notícia.
    No dia 23.08.99 os meios de informação começam a preparar o regresso triunfal da S. B.: "La Stampa", (p.12), fala dos preparativos, dos vestidos, das deligências para satisfazerem os seus gostos refinados, ("gusti rafinatti"), até um "walkman" com a sua música preferida. Com a devida antecedência chega ao aeroporto dos "vip" um avião "Falcon 900", pago pelo "Ministero di Giustizia". isto é, pelos mais honestos contribuintes de Itália, para a transportar em Itália, acompanhada de dois polícias e um funcionário do Ministério da Justiça. Entretanto passa os últimos dias numa célula individual, com direito a jornais, tv e actividade recreativa. Recordo aquela senhora que me disse que os prisioneiros na Suécia tinham melhores condições do que os passageiros num cruzeiro. Se eu tivesse a consciência de estar prezo por lutar por uma justa causa, e se fosse tratado como os jornais descrevem a vida de Baraldini na prizão, preferia estar na prizão do que levar a vida da maioria que trabalha num cruzeiro: 2 a 6 numa pequena cabine, 14 a 16 horas de trabalho por dia, quase sem tempo para ver televisão e com menos divertimento do que numa prizão. Trabalhei seis meses num cruzeiro e como artista era um previlegiado. Mas senti pena de muitos que trabalhavam como escravos e viviam em piores condições do que vejo descritas sobre muitas prizões.
    No dia 24.08.99 continuam os preparativos para o sensacional regresso e os meios de informação dão grande cobertura:
"Corriere Della Sera" traz a fotografia na primeira página e toda a página 9 com as informações mais corriqueiras e um longo artigo de Alessandra Farkas. Perguntou-lhe se se inspira em Dario Fo. Sentiu-se muito honrada com a referência e afirmoun ser a pessoa que mais admira no mundo. Ataca-se o sistema judicial americano com palavras duras que fazem rir quem conhece as fantochadas do sistema judicial italiano: "Ostacolata, umiliata e maltrattata fino all`ultimo ... la detenuta italiana più celebre d`America deve fare i conti con un sistema giudiziario che non include la maleabilità, né la compassione tra i suoi principi". Em poucas palavras, esta jornalista queria talvez que na América existisse uma Justiça como a italiana em que só 20% cumprem as penas e mesmo muitos destes são precisamente pobres inocentes que não têm por detrás um poder, (muitas vezes mafioso), que lhes evita a prizão. Na mesma página a opinão da mãe é contrária à sensacional jornalista: "Na prizão tinha a possibilidade de telefonar, jogar ténis, dar lições de Inglês. Apesar de não se encontrar mal tinha pedido o cumprimento da pena perto dos familiares", ("In carcere Silvia aveva la possibilità di telefonare, di giocare a tennis di dare lezioni di inglese. Pur non trovandosi male, aveva espressamente richiesto di scontare la pena vicino ai suoi familiari") . A própria mãe se refere à suposta moeda de troca: a América não indemnizará as famílias das 33 vítimas do acidente causado pelo avião americano que cortou os fios do telesférico mas em troca a Itália recebe a sua querida terrorista: " Não sei, talvez aquela tragédia tenha influido, talvez não ", ("Non so, forse anche quella tragedia ha influito, forse no") - disse a mãe.  Em mais de dez anos que sigo este caso nos meios de informação italianos, apenas aqui encontrei algumas linhas perdidas num final da página nitidamente contrárias à Baraldini: "È um tentativo di remidiare politicamente allo scandalo giudiziario del Cermis dice sicuro Beppe Pontrelli ... Fa parte di una strategia politica per reequilibrare i raporti tra i due Paesi dopo il disastro del Cermis".  (...) "Franco Pontone, senatore di An, defenisce "stucchevole" il coro in favore della Baraldini". Resumindo: afirma-se que Baraldini serviu de troca política à indemnização das 33 vítimas e é uma vrgonha todo este coro a favor.
    "La Stampa" dá-lhe quase uma página, como se fosse uma santa terrorista, uma estrela, uma "vip". Nem uma referência negativa. Muitos políticos parecem querer encontrar o seu nome associado a esta vitória da política externa italiana. Até o Ministro da Justiça teria ido pessoalmente à América para a acompanhar  se ...
    Pergunto a mim próprio como os mais honestos contribuintes de Itália não sentem pena de como é desperdiçado o seu dinheiro e o tempo dos seus políticos e funcionários públicos. Cada italiano nasce com uma dívida de 50 milhões de liras. Quanto deveria se o Estado gastasse com cada italiano a milésima parte do que gastou com Baraldini? Quanto teria gastado o Estado italiano, isto é, os mais honestos contribuintes, com uma terrorista: 50 mil dólares de multa pagos em 1997 pelo Estado italiano, um avião Falcom 900 com polícias e funcionários, o tempo e as burocracias dos políticos durante dez anos que poderiam servir fins mais úteis aos contribuintes...
    Dia 25 de Agosto a notícia da chegada da Baraldini abre todos os telejornais com 300 pessoas a esperá-la, cartazes a pedir a sua liberdade, desculpas do Ministro da Justiça por não estar presente a esperá-la ... O "Corriere dela Sera" publicou num pequeno título interior que o avião gastou 350 millhões de liras, (35.000.000$00), acrescentando depois no desenvolvimento que com todas as despezas da viagem os contribuintes italianos gastaram 500.000.000 de liras, (50.000.000$00). Até aqui se nota como o jornalista fez a notícia de modo a não ferir a sensibilidade dos fans da terrorista: não publicou a soma no título. Timidamente começou a falar-se daquilo que me parece escandaloso: as enormes despezas dos contribuintes com uma terrorista. 
    Dia 26 de Agosto ocupa quase toda a primeira página de vários diários, grandes reportagens, mas começam a surgir polémicas: partidos da direita na oposição criticam o Ministro da Justiça por ter manifestado intenção de estar no aeroporto a recebê-la. Devido às críticas apenas acompanhou a mãe da Baraldini ao aeroporto. Alguns perguntam qual a justificação para o Estado Italiano pagar 50 mil dólares de multa de uma terrorista. Baraldine tinha dito que essa soma fora paga pelo Estado Italiano e que ela própria tinha um recibo. Quando depois começaram as polémicas ela disse que esse dinheiro provinha de ofertas de voluntários. Como são generosos estes italianos que pagam 50 mil dálares para a multa de uma terrorista!
    Nos dias seguintes continuou nas primeiras páginas dos jornais mas a posição começou a inverter-se: cada vez as críticas superaram mais as apologias. Os jornalistas italiannos leram pela Internet o ridículo em que tinha caída a Itália na imprensa internacional e abriram os olhos. Demasiado tarde. No dia 30.08.99 já só um jornal trazia o assunto na primeira página e em toda a página 7: "Il Giornale". Mauro Calascibetta, (que ao contrário da Baraldine se confessa inocente), tomado como refém  por um grupo de prisioneiros na Turkia que não queriam que Itália desse asilo político ao líder terrorista do PKK Ocalan, parece estar esquecido pelo Ministro da Justiça que tanta atenção deu à Baraldini. Muitos prisioneiros em Cuba estão em piores condições do que a Baraldini. Uma das últimas fotos da Baraldini apareceu na "Gente" de 03.10.99 com a opinião de alguém que embora concordasse que os condenados cumprissem as penas nos próprios paízes, não concordava que a B. fosse recebida como uma heroína.

    Imaginemos que a Baraldini tinha a sorte dos outros 3.000 italianos que se encontram nas prizões no estranjeiro: cumpria a sua pena sem se falar nela. Imaginemos que todo o tempo e dinheiro que os italianos gastaram com a Baraldini o gastavam na luta contra o terrorismo, mafia, corrupção e criminalidade. Quantas vidas humanas se salvariam? Quanto sofrimento humano de vítimas inocentes que sofreram milhares de vezes mais do que a Baraldine na prizão? Em Itália, enquanto se lutava para transferir a Baraldini de uma prizão para outra como se isso fosse o objectivo principal da políitica de um país, 700 pessoas foram raptadas e sofreram certamente mais do que a Baraldini, 80 morreram, muitas delas apesar de as famílias pagarem os resgates, centenas de pessoas morreram em actos de terrorismo, milhares morreram vítimas da mafia e da criminalidade. Como é que os políticos italianos não sentem vergonha de se empenharem tanto com a transferência de uma terrorista? Com esta transferência triunfal e transformando-a em santa heroína nacional o Estado Italiano deu ao mundo a ideia de ser um paraízo dos criminosos, atrairá mais criminosos e terroristas para Itália, estimulará o terrorismo e a criminalidade no própio país.
    Mas afinal de quem é a responsabilidade? Dos jornais? Dos políticos? Do povo? Eu penso que cada povo tem os jornais e os políticos que merece. Mas penso que os meios de informação e os políticos são não só fruto de uma cultura mas principais responsáveis pela evolução dessa cultura para um mundo mais convivencial. Esta recepção triunfal de uma terrorista é uma vergonha para os meios de informação, para os políticos que se empenharam, para o povo que a aplaudiu.

PIRES PORTUGAL (e-mail: piresportugal@hotmail.com).

PSM, (para saber mais): JIIMM: JORNAL INTERNET DE IDEIAS PARA UM MUNDO MELHOR: http://members.xoom.it/jiimm : .

TSTC: "SANTA TERRORISTA": CULTURA DE UM POVO OU INJUSTIÇA E ESTUPIDEZ A ALTO NÍVEL?

 I-EPC: ENTREVISTA AO PRESIDENTE COSSIGA (em italiano).

I-EGI: ENTREVISTA AOS JORNALISTAS ITALIANOS (em Italiano).

DLST= A SANTA TERRORISTA, OS POBRES CONTRIBUINTES, POLÍTICOS E CULTURA QUE O POVO MERECE

DP990828: INTERNET, JORNALISMO, IDEIAS COMO MUNUMENTOS CULTURAIS.

I-ESB: ENTREVISTA A SÍLVIO BERLUSCONI. 

CAMD:CARTA ABERTA A UM MINISTRO DE GRANDE SENSIBILIDADE E CORTESIA, UM DEPUTADO DEMASIADO HUMANO, PARTE DE UM POVO MUITO GENEROSO...

AAAST= "SANTA TERRORISTA" ...