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- Interpoesia
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photo: Caterina Davinio
Resumo: A produção
poética nas hipermídias aponta cada vez mais para um produto de linguagem híbrida.
Esta prática, interpoética, esta fora dos métodos tradicionais de produção
artística, pois aqui se trata de uma linguagem de intervenção - de código para
código - com uma característica mais ativista. Esta relação de intermediaridade que ainda traz traços de
um mundo de percepção positivista,
passa a indagar toda e qualquer representação, em que as “matrizes de
linguagem” não se dão de maneira apartada entre si, e sim trazendo para o
expectador uma produção que envolve o poder de lermos de maneira híbrida, as
produções artística de conteúdo poético.
A Intermediaridade Interpoética
Wilton Azevedo
O apparatus do design visivo nas telas dos
computadores, para que possamos manipular nossas escritas na obtenção de uma
escritura, nada tem feito além de simular as máquinas já existentes da cultura
analógica. Esta tradição que produz signos de forma apartada entre si , e que
por decorrência de uma cultura tecida em códices, vem cada vez mais dependendo
da tecnologia para que possamos assumir uma nova ambiência sígnica, produto de
uma escritura híbrida de linguagem
programática.
As aproximações dos códigos solicitadas pela introdução de
novos meios tecnológicos, sempre salientaram a correspondência entre a forma
verbal, visual e sonora, e esta correspondência, “não resultou em
convicções” (Oliveira, 1999: 12), e sim de
como a poética destes suportes já apontava para um produto híbrido, “ criação plástico – poética”.
Os suportes digitais passaram a configurar uma nova noção
de poética, “A forma do texto poético é
própria. Ela já é um desenho, mostra-se em verso, configura um espaço novo no
pergaminho, na página ou na tela, tempo e espaço novo no pergaminho, na página
ou na tela, tempo e espaço se buscando, se sobrepondo. Os primeiros teóricos
perceberam este conluio de formas e de códigos.” (Oliveira, 1999: 12)e
conclui,“o que a vista abarca de um só
lance, ele (o poeta) nos enumera lentamente, pouco a pouco, e muitas vezes
sucede que, ao último traço apresentado, já esquecemos o primeiro…Para a vista,
as partes contempladas conservam-se constantemente presentes, ela pode
percorrê-las quantas vezes lhe aprouver; para o ouvido, porém, as partes
ouvidas se perdem, caso não se gravem na memória. (Oliveira apud. Lessing,
1999: 14)
A Lingüística é apenas uma parte da vasta ciência geral dos
signos, “Engano inicial que se retificou,
em seguida, porque se constatou que a Lingüística não é parte, mesmo que
privilegiada, das ciência geral dos signos; a Semiologia é que é parte da
Lingüística: muito precisamente, no dizer de Kristeva, aquela parte responsável
pelas grandes unidades significantes do discurso, pois, qualquer que seja o
objeto da Semiologia (gesto, som, imagem etc.) ele só é acessível ao
conhecimento através da língua. (Oliveira apud. Saussure, 1999: 20)
Diante destas considerações apontadas, podemos afirmar que
os suportes digitais vêm definitivamente nos oferecendo a necessidade de
encararmos a linguagem humana como produto plural, mas que tem que ser pensado
a sua produção como prática interpoética[1].
Esta prática, interpoética, esta fora dos métodos tradicionais de
produção artística, pois aqui se trata de uma linguagem de intervenção e
intersecção - de código para código -
com uma característica mais ativista. Esta relação de intermediaridade que ainda traz traços de um mundo de percepção positivista, passa a
indagar toda e qualquer representação, em que as “matrizes de linguagem” não se
dão de maneira apartada entre si, e sim trazendo para o expectador uma produção
que envolve o poder de lermos de maneira híbrida e intersectiva do que pode
haver de comum neste produto de linguagem.
Esta situação interventiva e intersectiva, esta diretamente
ligada a uma “situação de interação” e intermediaridade, como propõe
Ardenne (2002: 16), é natural que formemos em nossas cabeças, interpretações
que tendem a um signo pronto, é uma assemblage do latim contextus
, é a apropriação artística pura e
simples da realidade que se constitui na mais pura e tradicional idéia de
intermediaridade, “a presença dos
olhos do espectador revela uma política dos sentidos” (2002: 25).
Não se pode pensar diante do formato deste
novo suporte digital, em uma retomada dos conceitos ligados a linguagem, a poética nas hipermídias não envolve um dado
plástico dos nossos olhos, ouvidos e a fala que passem a revelar “...a
política dos sentidos”, mesmo que para isso nos sentimos constrangidos
diante deste novo pensar – intermediário – no seu resultado final.
Digo constrangimento, porque o anseio de todo artista, mesmo os
remanescentes da arte pela arte, é ser compreendido. O produto final/híbrido potencial da prática
deste modo de obter do exercício poético,
nos faz aceitar em praxis mais veloz, uma poesis
digitalis[2],
que nos contemple em estarmos diante de
uma escritura digital que permite este fazer sem distinção entre os códigos.
A prática de uma poética em forma de
programa nos suportes digitais sugere que seu “co-autor-articulador” passe a se
utilizar de uma linguagem de artifícios polisemantizados, ainda que simulando
máquinas que: editam, escrevam, sonorizam, acabam por criar tramas de tal fina espessura em suas filigranas, que não
conseguimos mais identificar com a cultura de nossas percepções.
Usar e tramar neste processo de co-autoria e articular
produtos de linguagem poética, nos faz notar
um sistema de sintaxe com um fim definido, mas que não se
reconhece nem o princípio e nem o término desta estrutura. A autora
Nuria Vouillamoz em Literatura e Hipermedia La irrupción de la
literatura interactiva precedentes y crítica, faz um interessante estudo
sobre as relações entre a produção literária convencional e a produção em
suportes digitais e diz: “como esquema
conceitual, é plurisignificativo e acaba por oferecer múltiplas ocorrências,
múltiplos acessos e leitura, de maneira que é possível reconhecer uma certa
analogia entre o modelo hipertextual desenvolvido pela informática e o
polisemantismo tão reclamado pelo campo da literatura.” (Vouillamoz, 2000:
74).
Estas questões a respeito de uma polisemântica advindo dos
textos literários, foram muito estudadas no que diz respeito à luz da
semiologia, na poética sociológica de Bakhtin
e dos elementos fundamentais da escritura em Roland Barthes: “Primeiro, a natureza ambígua da palavra e a
versatilidade significativa da linguagem em sua projeção histórica – conceito
de ‘heteroglosia’ou ‘plurilingüismo’ - ; segundo, a inscrição do discurso em
uma pragmática, comunicativa – graças a qual se define sua natureza dialógica.”
(Vouillamoz, 2000: 76).
INSTAABILITY - Wilton Azevedo, 2002
InstAAbility I. Wilton Azevedo,
2002
A preocupação de Bakhtin em ter detectado essa polifonia
sócio-lingüística, essa diversidade de vozes, e da interação estabelecida entre
elas, torna mais fácil o nosso trabalho em notarmos que o ato de utilizar software como escritura, é partilhar de
vozes potenciais. Neste mesmo sentido, Umberto Eco sempre propôs uma discussão
mais abrangente, não se limitando apenas ao terreno da literatura, mas também levando
para os estudos do campo da música, das artes visuais, demonstrando a
característica que a maioria das produções de linguagens são concebidas como
uma Obra Aberta: “Partindo da idéia de
que toda obra de arte tem por definição uma natureza dual: de um lado, é uma
forma fechada e se completa como produto de uma vontade criadora; mas, ao mesmo
tempo, é aberta tanto que oferece a possibilidade de uma infinidade de
interpretações sem, no entanto, alterar sua singularidade tal como foi
concebida no momento de sua criação” (Vouillamoz, 2000: 77-78).
Foi esta mesma ambigüidade de significados que acabou de
potencializar o simbolismo na segunda metade do século XIX e que desencadeou os
manifestos de vanguarda do século passado. Neste sentido, não há mais como
impedir que o meio hipermidiático assuma de vez uma organização híbrida, “Na literatura, estes modos de produção se
traduz, segundo Eco, na criação de um discurso que não se limita na transmissão
de um conteúdo unívoco sem que potencialize as possibilidades significativas do
texto substituindo uma forma discursiva seqüencial por uma estrutura em
‘módulos de desordem organizado’”(Vouillamoz apud. Eco, 2000: 79).
Os “módulos de desordem organizado” ao qual se referiu Eco, são a
verdadeira ação da produção híbrida de
natureza labiríntica, que nos impõe aquele tal constrangimento de que já falei,
no momento em que nos vemos diante desta arborescência de caminhos, sem desistirmos de nossa
participação desta mesma trama como, sujeito, metasujeito e intersujeito.
Desta maneira, devemos com muito rigor nos concentrar no rastro de uma certa
assepsia que a produção poética hipermidiática ainda deixa, isto porque ao
navegarmos por estes índices narrativos somos afetados pelo nosso museu
interior de imagens, textos e sons, guardados em gavetas a espera da “desordem”.
InstAAbility I. Wilton Azevedo,
2002
A tradição artística emprestou
as pessoas talentosas, o poder de formalizarem os seus próprios códigos, que
com o tempo foram pegos de surpresa pela tecnologia, que apontava para uma
produção mise en vue , uma produção de intervenção ao rígido código dos códigos, que
denuncia a participação estética de todos os gêneros, e esta mesma tradição
como que por vingança, toma de volta o que emprestou exigindo de quem produz nestas tecnologia digital de autoria uma
atitude interpoética mais analítica.
Os experimentos artísticos que
tanto ajudou a forjar o gênero artístico
do século XX, nos entregaram de forma delievy uma produção que se caracteriza por sua
hegemonia sígnica, que durante um longo tempo nos enganou se fazendo passar por
um produto interdisciplinar da criação.
A poética das
hipermídias compartilha com dados de um programa que tem como modelo a
linguagem humana, avatares sem limites, modelos humanos que se fazem passar por
novidade, mas que vem trazendo como grande transformação a quebra desta
hegemonia dos matriciais de linguagem e assumindo de vez as “vozes”, “sons” e
“textos”, em um produto humano que é a
“fala plural”, para quem tem o que dizer.
Bibliografia
Ardenne, Paul. Um Art Contextuel.Création Artistique em Milieu Urban em
Situation D´Intervention de Participation. Flammarion , Paris, 2002.
Oliveira, Valdevino Soares de. Poesia e Pintura
Um Diálogo em três Dimensões, São Paulo, Fundação Editora da UNESP (FEU),1999.
Quéau, Philippe. METAXU, Théorie de L´art Intermédiaire. Collecion Milieux Editions
Champ Vallon. Seyssel. 1989.
Vouillamoz, Núria. Literatura e Hipermedia La irrupción
de la literatura interactiva: precedentes y crítica. Barcelona; Paidós Papeles
de Comunicación, 2000.
Os aparatos tecnológicos e as imagens provenientes de máquinas que
fazem regurgitar para o mundo em forma de transistor (miniatura) o que foi
copiado, colocam cada vez mais o estudo das linguagens e a sua produção
inseridos em uma necessidade
multidisciplinar e
intersemiótica. Não há como evitar os meios digitais como registro da
intelecção humana, e principalmente como uma nova escritura a serviço da
produção artística.
A
arte, especificamente a deste século, se caracterizou em adicionar aos sistemas pictóricos, e mesmo às poesias,
elementos entrópicos que produziam uma espécie de estranhamento, fazendo da
produção artística dita de vanguarda, uma máquina de produzir ruídos. O artista
então conferiu à espécie humana a documentação de um índice artístico que teve
sua validade questionada quanto ao registro do aqui-agora.
Esta
verdadeira guerra com a presentidade da obra mostrava sinais das primeiras
discussões do que hoje chamamos de interatividade. Esta reavaliação pode ser
feita hoje de maneira mais clara, já que o mundo digital e seus softwares
colocaram toda e qualquer tipo de linguagem a serviço da não linearidade – tão
preconizada pelo exercício artístico deste século -, determinando uma nova
noção de fronteira entre os códigos.
Com esta práxis, surge uma poesia que coloca o público como agente
principal na criação e intervenção, na maneira de ler e de se obter novos
signos a todo instante. Assim nasceu a Interpoesia, um exercício intersígnico
que deixa evidente o significado de trânsito sígnico das mídias digitais,
desencadeando o que se pode denominar de uma nova era da leitura.
Esta
leitura, proveniente de uma escritura numérica – conhecida como programa -,
produz uma linguagem que, além de híbrida, destrói os conceitos ortodoxos sobre
emissor e receptor (1), e coloca a linguagem digital como uma espécie de
linguagem potencializada pelo leitor, podendo ser atualizada ou ressuscitada a
qualquer instante, esvaziando o caráter imóvel e passivo que as linguagens
tradicionais analógicas deixaram marcadas ao caracterizar o público como apenas
receptor.
O
aspecto criográfico[4] das imagens
tradicionais, ou seja, o que faz propiciar a criação de uma cultura de olhar
congelado a respeito do instante de uma imagem, agora muda, já que com a
intervenção do público no que chamamos de obra, deixa de existir apenas este
instante imóvel e com o tempo a idéia de obra pronta.
Este
novo Teseu pode obter nos novos labirintos de texto, inúmeras alternativas
rizomáticas, se comparado com a mídia impressa por exemplo. O problema é que
agora se tenta ultrapassar este sistema descartando a espessura histórica das
mídias tradicionais, mas se este novo Teseu não tem mais que amarrar a linha
para achar a saída, ou seja, o happy end,
isto não quer dizer que a linha deixa de existir. Assim como em nossas
vidas não temos apenas uma versão para nossas histórias, a hipermídia coloca à
disposição uma possibilidade de escritura multidisciplinar e um compromisso com
uma poesia intersígnica.
Sabemos
que na Idade Média o contador de histórias narrava para quem não dominava a linguagem das escrituras, e hoje
precisamos de diretores de cinema para nos contar as mesmas histórias porque
não dominamos as escrituras da linguagem cinematográfica, provavelmente os
programas de autoria se transformarão em um futuro não muito distante, na
possibilidade de sermos nossos próprios narradores, mediadores de nossa própria
existência na necessidade de contarmos nossa própria história:
“O
além exige a mediação de aquém. Sem um fundo de invisível, não há forma
visível. Sem angústia do precário, não há necessidade de memorial. Os imortais
não batem fotos entre si. Deus é luz; somente o homem é que é fotógrafo. Com
efeito somente aquele que passa, e sabe disso, quer permanecer.”
( Debray, 1993:28 )
Se passamos hoje a maior parte de nosso tempo com estas próteses
criadoras de imagens e ambientes virtuais que são os computadores, a nossa
“angústia do precário”, não estará ligada somente ao quanto a linguagem humana
tem de perecível, mas ao que é necessário simular nestas máquinas para
avaliarmos a linguagem do desconhecido
ou do que esta por vir a ser.
O sonho de
imortalidade é o que nos dá a possibilidade de criarmos várias histórias com
finais potenciais, pois o que confere um caráter linear às linguagens é o que a
vida tem de perecível e de passageira – parafraseando Borges, o final da obra
muitas vezes se dá pelo cansaço do artista.
Nós
dialogamos hoje muito mais com máquinas do que com “seres carnais”. Segundo
Santaella (1996:166), os seres noológicos estão se proliferando cada vez mais,
e é a teoria dos signos que pode dar conta de uma análise de visão mais
interativa dessas linguagens. Se estas próteses com “olhos”, “cérebro”,
“ouvidos” e “bocas” regurgitam o mundo à sua semelhança, é necessário então
reavaliarmos esta ruptura, já que os meios digitais (via algoritmos) estão cada
vez mais próximos da vida humana.
Se na arte do século XX foi necessário manifestos para
agrupar as linguagens artísticas em seus interesses semióticos, neste novo
século que se adentra a interatividade proporcionar que o usuário crie o seu
próprio manifesto: o de interagir.
Wilton
Azevedo
São
Paulo
1998
foto Rita Varlesi 2002
DADOS BIOGRÁFICOS
WILTON AZEVEDO é paulistano, artista plástico, designer gráfico,
poeta, professor formado em Comunicação pela Escola Superior de Propaganda e
Marketing, mestre e doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC SP. Autor de O
que é Design (Brasiliense), Os Signos do Design (Global), e Criografia: A
Escritura da Imagem Congelada (Editora Mackenzie, no prelo), Interpoesia,
Cd-rom. É Professor orientador do Pós-Graduação de Educação, Arte e História da
Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie, fazendo parte da equipe que
credenciou este mesmo curso pela Capes; foi vice diretor da Faculdade de
Letras, Artes, Comunicação e Ciência Educacionais na Universidade São Judas
Tadeu. Realizou várias exposições em museus e galerias particulares no Brasil,
EUA, França e Cuba, e apresentação de CD Roms no México, França, Itália e EUA,
Holanda, Alemanha, Inglaterra, França, Argentina, Roma e Espanha. Publicou o Cd
Rom INTERPOESIA, em parceria com Philadelpho Meneses e publica agora em 2003 o
Cd Looppoesia.
[1] Ver manifesto digital em Interpoesia, Cd Rom lançado em 2000 por mim e Philadelpho Meneses. Segue em anexo.
[2] Este termo é extraído do livro de Friedrich Blöck, IO Poesis digitalis, BLATTWERK, 1997.
[3] Este texto foi
escrito quando da execução do Cd Rom Interpoesia em 1998, e faz parte do Cd.