De Barão do Amianto a Guru do Meio Ambiente:

A Metamorfose de Stephan Schmidheiny[1]

 

                                                                                       Daniel M. Bernan[2] e Adrian Knoepfli[3]

                                                                                 

            O que tem feito o suíço Stephan Schmidheiny, único ex-proprietário do conglomerado Eternit(multinacional do amianto com empresas em 35 países), com os bilhões que amealhou com a venda de suas atividades ligadas à produção de cimento-amianto? Entre 1984 e 1999 o valor líquido de seu patrimônio duplicou de 2 bilhões para 4 bilhões de dólares americanos.(1)

            Parte disto, ele tem investido em áreas florestais na América Latina. Segundo dados recentes publicados na Suíça, Schmidheiny começou em 1982 a comprar áreas florestais no Chile, e, atualmente, é dono de mais de 120.000 hectares no sul do país, perto da cidade de Concepción, terras estas que sempre pertenceram aos índios Mapuches, segundo reclamam estes últimos desde tempos imemoriáveis. Os Mapuches acusam, ainda, Schmidheiny de ter comprado muitas terras que foram desapropriadas durante a ditadura do General Augusto Pinochet, utilizando-se de seus conhecidos métodos de intimidação, tortura e assassinato. As propriedades chilenas de Schmidheiny estão sob controle da Terra Nova, filial chilena da Nueva, sua holding sediada na Suíça. A Terra Nova é a terceiro maior grupo do setor florestal no Chile. Nueva também controla uma dúzia de empresas na América Latina, que emprega 10.000 trabalhadores na produção de canalizações, materiais de construção e no reflorestamento e exploração de várias espécies de madeiras.

            As atividades da Terra Nova são tão controversas que Huilcamans, Presidente do “Conselho de Todas as Terras” Mapuches, foi a Suíça em 1.999 com dois assessores para conversar pessoalmente com Schmidheiny numa tentativa de convencê-lo a reconhecer a injustiça praticada pelas atividades de sua subsidiária. Segundo uma versão publicada na Suíça, Schmidheiny recusou-se a falar com os líderes Mapuches, que foram atendidos por Hans-Ulrich Spiess, representante suíço da Terra Nova. Spiess qualificou as acusações de “absurdas”. Para Spiess, a Terra Nova detém “posse legal”, baseada na jurisprudência chilena, e prosseguiu: “Se olharmos para trás no tocante à situação da posse de terras, sempre encontraremos algum outro dono em épocas passadas....”.

            Schmidheiny nunca expressou qualquer criticismo público ao regime ditatorial de Pinochet, mas foi citado como tendo feito uma conferência em que manifestou que “Um país do Terceiro Mundo, que opta por uma economia liberal de livre mercado, precisa ter um governo forte”.(2)

Schmidheiny utiliza, inclusive, seus interesses  “filantrópicos” na América Latina para dar a impressão de que ele é o criador de um novo paradigma ambiental, baseado em jargões como “eco-eficiência” estimulado por representantes da “sociedade civil”. O progresso ocorre, segundo sua óptica, quando “a sociedade civil”, isto é, milhões de mulheres e homens fora das esfera de governo, através do “acesso” ao “know-how gerencial” e “capacidade de levantar fundos” são “empoderados” para transformar seus países, (3), uma forma indireta de dizer que não haja “nenhum controle governamental sobre o setor privado”. Certamente, os paradigmas de Schmidheiny de “eco-eficiência” e “sociedade civil” não parecem incluir a necessidade de informar aos trabalhadores do setor de cimento-amianto, por exemplo, que seus empregos estão matando-os ou que a Eternit teria o dever moral e legal de indenizar aqueles cujas vidas foram ceifadas pela exposição ao amianto. Aparentemente o velho paradigma “privatizar os lucros/socializar os prejuízos” venceu o novo paradigma de “eco-eficiência/sociedade civil” para as vítimas  das empresas nos 35 países do Império Eternit, das quais muitas delas Schmidheiny deve se lembrar de seu trabalho como operário-aprendiz na maior fábrica da Eternit no Brasil em Osasco, no Estado de São Paulo, no começo dos anos 70.

A seu favor, nós podemos dizer que Schmidheiny se informou dos problemas de saúde ligados ao amianto no final da década de 70 e ordenou aos seus pesquisadores que desenvolvessem meios para produzir painéis  e telhas de cimento-amianto com fibras vegetais, especialmente na fábrica da Eternit da Costa Rica, chamada Ricalit. Mas, por uma série de razões, incluindo a oposição de seus sócios locais, a estratégia da substituição do amianto foi lenta demais para se tornar efetiva em muitos locais e isto fez com que Schmidheiny terminasse vendendo todas as suas fábricas de cimento-amianto por volta de 1.990.

 

 

   

 

            Schmidheiny, desde que vendeu suas empresas e se transformou num banqueiro e especulador, tem feito um esforço extremo para integrar-se diretamente nas mais altas esferas da sociedade americana como empresário e filósofo ambiental. Em 1.992, ele publicou o livro “Changing Course: A Global Business Perspective on Development and the Environment”(Mudando o Rumo: Uma Perspectiva Empresarial Mundial sobre o Desenvolvimento e o Meio-Ambiente),(5), no qual debate que o desenvolvimento capitalista racional - baseado em seu conceito de “eco-eficiência” – é a solução de longo prazo para ambos, devastação ambiental e o declínio dos lucros. Ele usou seu dinheiro e influência a serviço deste conceito, fundando e financiando o Conselho Empresarial do Desenvolvimento Sustentável(Business Council for Sustainable Development -BCSD), o qual foi a força-motriz para a participação da indústria e comércio na Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Meio Ambiente no Rio de Janeiro em 1.992(a Rio/92).(6)

            Uma questão em sua análise que nunca é respondida é “o que fazer quando uma empresa poluente e perigosa se nega a praticar a “eco-eficiência?”. Parece que, para Schmidheiny, isto deve ser deixado como uma opção individual das empresas.

            Schmidheiny também participa do quadro de diretores do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e tem tido uma participação ativa no Centro de Direito Ambiental e Política da Faculdade de Direito da Universidade de Yale(a escola onde estudaram Bill e Hillary Clinton) e da Faculdade Florestal e de Estudos Ambientais da Universidade de Yale. Em 1.996, Schmidheiny recebeu o título honorário de Doutor em Humanidades da Universidade de Yale. Em nota divulgada pela Universidade de Yale, ele é elogiado como o principal conselheiro da indústria  e comércio na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento(a Rio/92).

            As pessoas no hemisfério ocidental provavelmente ouvirão falar mais de  Stephan Schmidheiny nas próximas décadas, porque segundo a Forbes em 1.997, ele está investindo seu dinheiro fora da Europa, nos mercados dos Estados Unidos e América Latina. “A América é mais jovem e mais dinâmica”, disse ele, “enquanto a Europa, apesar da União Européia, está ficando cada vez mais velha e defensiva”.

            Na verdade, Stephan Schmidheiny decidiu “pegar o dinheiro e correr”, querendo escapar do iminente desastre que o amianto e a Eternit representa, e está reinvestindo em projetos editoriais, intelectuais, universidades e empresas filantrópicas ao redor do mundo, enquanto deixa trabalhadores doentes e morrendo à sua própria sorte. Nos anos 90, ele lançou-se no palco mundial como um pensador ambiental e benfeitor, e teve seu papel “santificado” por instituições de “estudos elevados”(7), como a Universidade de Yale.(Se Schmidheiny contribui para os esforços ambientais da Universidade de Yale, através de fundações controladas por ele ou através de  atos de filantropia pessoal, não nos foi possível apurar).

            Ao conferir a Stephan Schmidheiny um doutorado em Humanidades em 1.996, a Universidade de Yale o honrou com os seguintes termos: “Não satisfeito de ser o administrador dos negócios da própria família, você tem usado seu papel de empresário para promover a proteção do meio ambiente mundial. Você tem tomado decisões em sua empresa baseadas na saúde do planeta, introduzindo novas tecnologias e meios de fazer negócios que são ambientalmente “amistosos”. Ao levar sua mensagem às lideranças industriais ao redor do mundo, você tem ajudado a criar uma visão prática de uma economia baseada num desenvolvimento  sustentável e ecologicamente são.”

            Até agora, o conceito de “grande administrador ou provedor” não tem incluído uma compreensão franca e pública da responsabilidade moral e financeira pelo sofrimento e mortes causadas pela produção e venda dos produtos de amianto da Eternit ao redor do mundo, como as companhias norte-americanas(tais como Johns-Manville e Raybestos-Manhattan) foram levadas a fazer. Em Osasco, entretanto, um grupo de trabalhadores da antiga fábrica da Eternit, liderados pela Engenheira de Segurança do Ministério do Trabalho, Fernanda Giannasi, fundaram a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto(ABREA) para lutar por indenização justa, atendimento médico, o banimento do amianto e por justiça naquilo que Giannasi chamou uma “guerra invisível” contra os trabalhadores.(8)

            Somente Stephan Schmidheiny, seguro em seu castelo ao lado do belo lago suíço, pode dizer se ele ouve os fantasmas dos ex-operários da Eternit clamando, em seus sonhos, por justiça.

 

Set./2.000.

 

References

 

1. Veja em www.forbes.com, o qual em 1.999 considerou Stephan Schmidheiny entre os 100 mais ricos do mundo. A cifra de 2 bilhões de dólares em 1985 é do livro de Wemer Catrina chamado Eternit:  A dura herança de Stephan Schmidheiny(Eternit: Stephan Schmidheinys schweres erbe), Orell-Fuessli, Zuerich, Suíça, 1.985.

 

2. Dominik Flammer. “Chiles Vergangenheit holt Schmidheiny ein" (Chile e o passado engancha Schmidheiny), WELTWOCHE, Zuerich, 18 de fevereiro de 1999; veja também  Ulrich Achermann, "Schmidheiny & Co: Indies Setzen Waelder in Brand," (Schmidheiny & Cia. Índios põem fogo em florestas), WELTWOCHE, 25 de Fevereiro de 1999, no site  www.weltwoche.ch/). Um tratamento mais simpático de Schmidheiny pode ser encontrado no artigo de Wemer Catrina chamado "Stephan Schmidheinys Ferne Waelder"(As florestas distantes de Stephan Schidheiny), TAGES-ANZEIGER, Zuerich, 23/Jan./1997, em www.tages-anzeiger.ch/archiv/. Werner Catrina é o autor do não-confrontacional e fascinante livro Eternit: Stephan Schmidheinys Schweres Erbe(ETERNIT: A dura herança de Stephan Schmidheiny), Orell-Fuessli, Zuerich, 1985, conforme mencionado em referência 1. Para se ter uma sucinta descrição das condições e práticas dentro da fábrica  da Eternit de Osasco em 1.983, veja os artigos de Daniel M. Berman em versões em português, francês e inglês: "Asbesto (Amianto) no Brasil: Ameaça à Saúde dos Trabalhadores e da População" in Trabalho e Saúde, Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde (DIESAT), Julho/Agosto de 1985, artigo de capa; "Asbestos and Health in the Third World: the Case of Brasil”(Asbesto e Saúde no Terceiro Mundo: O Caso do Brasil), publicado no International Journal of Health Services, segundo trimestre, 1986; "Amiante et Santé dans le Tiers Monde, le cas du Brásil," capítulo 5 de L'envers dês Sociétes Industrielles: Approche Comparative Franco-Brésilienne, Dr.Annie Thébaud-Mony, editora, Éditions L'Harmattan, Paris, 1990.

 

3. Stephan Schmidheiny, "Missing the Boat on Foreign Aid"(Perdendo o trem na questão da ajuda estrangeira),  World Resources Institute, WRI Perspectives, Fevereiro/ 2.000, em www.wri/org/.

4. Veja os artigos de Adrian Knoepfli: "Beschaeftigte al Manoevriermasse, Von Schmidheiny ueber Electrowatt zu Siemens”, SMUV-ZEITUNG No. 9, February 26, 1997; "Die Karten wurden neu verteilt, SKA, SBG, Elektrowatt, Schmidheiny, Winterthur, Rueck," daz, December 22, 1995; and "Ein neues Buch Ueber die Schmidheinys, Stephan, Thomas, Jacob Wer ist wer?," daz, December 30,1994.

 

5. Publicado por  MIT Press, Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos.

 

6. Para entender o papel de Schmidheiny e do BCSD, veja o brilhante e pouco conhecido livro de Pratap Chatterjee e Matthias Finger “The Earth Brokers: Power, Politics, and Development”(Os corretores do mundo: poder, política e desenvolvimento), Routledge, London & New York, 1994.

 

7. Veja de Thorstein Veblen “The Therory of the Leisure Class”(Teoria da Classe Ociosa), MacMillan, 1899, especialmente o capítulo 14, "The Higher Learning as an Expression of the Pecuniary Culture"(O conhecimento mais elevado como uma expressão de cultura monetária) para uma discussão divertida da utilização da Universidade pelos barões da indústria.

 

8. Para uma melhor compreensão de como as indústrias de amianto norte-americanas foram forçadas a pagar bilhões de dólares para as vítimas do amianto em danos punitivos(punitive damages), veja Barry Castleman, Sc.D., Asbestos: Medical and Legal Aspects(Asbesto: aspectos médicos e legais), 4a. edição, 1998. Para melhor compreensão das lutas atuais da ABREA- a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto, por justiça, consulte  o site:  www.abrea.com.br.  A  citação de “guerra invisível” é parte do discurso de Giannasi ao receber o prêmio internacional do ano de 1999 em Chicago da Seção de Saúde Ocupacional da American Public Health Association(APHA)-Associação Americana de Saúde Pública.

 

 

Copyright © 2000 por Daniel M. Berman and Adrian Knoepfli

Tradução e adaptação por Fernanda Giannasi de um rascunho em português de autoria de Daniel Berman e que foi distribuído durante o congresso de Osasco/2000.



[1] Texto apresentado durante o Congresso Mundial do Amianto: Passado, Presente e Futuro em setembro de 2.000 na cidade de Osasco, Brasil e constante dos Annals of the Global Asbestos Congress – Past, Present and Future, Sept.17-20/2000..

[2] Daniel M. Berman, Ph. D., escreve e faz conferências sobre energia, saúde, política e tecnologia. Seu mais recente  livro é Who Owns the Sun? People, Politics, and The Struggle for A Solar Economy(Quem é o dono do Sol? Pessoas, política e a luta por uma economia solar). É analista da Comissão de Utilidade Pública da Califórnia em São Francisco(California Public Utilities Commission in San Francisco). E-mail: bermfam@davis.com; Endereço: 1103 Maple Lane. Davis, California 95616, USA, Tel/FAX: (00 1 530) 757-6609.

[3] Adrian Knoepfli escreve sobre economia e negócios e sua relação com a sociedade em geral. Ele tem acompanhado a história do clã Schmidheiny por quase uma década. E-mail: knoepfli@swissonline.ch; Endereço: Streulistr. 81, Zuerich, CH-8032 (Switzerland), Tel: (00 41 1) 382-1505, FAX: (00 41 1) 422-9889.