A escravidão nos canaviais

Leonildo Correa - Faculdade de Direito -- USP

O Presidente Lula tem afirmado que não há escravidão nos canaviais, assim como os biocombustíveis geram renda e emprego. Contudo, os empregos gerados são sub-empregos (bem próximos do trabalho escravo) e a renda advinda dessa produção são concentradas nas mãos dos usineiros que, dependendo da forma como se desenvolver a ampliação dos canaviais, tornar-se-ão verdadeiros Sheiks dos biocombustíveis. Resumindo: o Presidente Lula está sendo mal orientado sobre esse assunto. Provavelmente, seus orientadores são usineiros.

Os canaviais brasileiros sempre dependeram de mão-de-obra escrava. No início os escravos eram trazidos da África para plantar cana e, assim, produzir o açúcar vendido na Europa. Hoje não se busca mais escravos na África, pois não é necessário ir tão longe para encontrar mão-de-obra barata, ou seja, para encontrar gente que aceita um sub-emprego, ou trabalhe em troca de comida. As periferias e os trabalhadores sem-terra são reservatórios de mão-de-obra barata para os canaviais. Quem não acredita que há escravidão nos canaviais, basta ir até a Usina de açúcar e álcool mais próxima durante o corte da cana, ou então, basta perguntar para um cortador de cana quanto eles ganham, quanto tempo trabalham, quanto tem que produzir para receber. Os senhores de engenho e de escravos de ontem são os usineiros hoje. As senzalas de ontem são as periferias e as favelas de hoje.

Os biocombustíveis são essenciais para o Brasil e para o mundo. Não podemos perder essa oportunidade. Temos que ser os maiores produtores mundiais e controlar esse mercado, ou seja, temos que criar e comandar a OPEP dos biocombustíveis. Contudo, isso não pode ser feito encima de uma estrutura escravocrata. Não podemos produzir álcool misturado com sangue de trabalhadores rurais. E os lucros da venda do álcool não pode pertencer exclusivamente aos usineiros. Além disso, temos que impedir que os canaviais se expandam sobre as florestas, principalmente na região amazônica. Lembro que já existe uma Usina de Açúcar no Estado do Amazonas (clique aqui para ler sobre isso).

Hoje os trabalhadores das usinas canavieiras, principalmente do Estado de São Paulo, trabalham em rodízio com apenas uma folga por semana, ou seja, o indivíduo trabalha direto, inclusive sábado e domingo. Além disso, saem de casa por volta das cinco da manhã e somente retornam depois das dezenove horas, isso porque o tempo de viagem não é contado como horas trabalhadas e o percurso até o canaviais é longo. Sem contar as condições de trabalho que são as piores possíveis, inclusive para um melhor aproveitamento do terreno todas as árvores são arrancadas, logo não há sombra nessas áreas, ou seja, a pessoa trabalha o dia todo embaixo do sol quente, trabalha respirando fuligem e cinzas da cana queimada e a água para beber é quente.

Com isso a saúde do trabalhador é completamente destruída, ficando inválido antes dos cinqüenta anos e quem acaba pagando a conta é a previdência social: aposentadoria por invalidez, auxilio doença, pensão por morte, etc. Além disso, o cortador de cana é um profissional sem perspectiva de vida, pois trabalha muito, ganha pouco, não tem qualidade de vida e nem tempo para estudar e buscar uma vida melhor.

Também temos que impedir o avanço dos canaviais sobre as plantações de alimentos. Os produtores de feijão, arroz e milho não podem deixar de plantar alimentos para cultivar cana, pois se isso ocorrer haverá, certamente, um aumento no preço da comida. E por último não podemos permitir que os sub-produtos e as técnicas utilizadas na produção de biocombustíveis ocasionem desastres ambientais. Por exemplo, as queimadas devem ser proibidas, assim como a contaminação do solo e dos rios por produtos químicos utilizados nas plantações de cana, etc.

A primeira saída para quebrar a estrutura atual de trabalho utilizado nas lavouras de cana é acabar com o trabalho por produção ou tarefa. Hoje só há emprego nos canaviais para quem corta dez toneladas de cana por dia, ou seja, para os mais fortes. Além disso, o salário tem que ser fixo e mensal, assim como parte dos lucros das usinas devem ser dividido com os trabalhadores e produtores rurais que alugaram suas terras para os usineiros. E tudo isso tem que ser fiscalizado e acompanhado de perto pelo governo.

Os cortadores de cana também devem ser organizados em cooperativas, associações e sindicatos. Organizações que devem representar os interesses desses trabalhadores, logo não podem ser controladas, como ocorre hoje, pelos empregadores. Inclusive, eu penso até que o governo, ao invés de dar dinheiro para os usineiros ampliarem e montarem negócio particulares, deveria dar dinheiro para as cooperativas de trabalhadores e pequenos produtores construírem usinas comunitárias. Isso ocasionaria uma revolução nesse agronegócio, pois o meios de produção seria controlado diretamente pelos trabalhadores rurais. Assim, o lucro obtido seria dividido em partes iguais entre os trabalhadores. Isso sim, geraria renda e reduzirias as desigualdades. Dar dinheiro público, por meio de empréstimos a baixo custo, para usineiro é concentrar renda e aumentar as desigualdades, assim como incentivar a escravidão dos trabalhadores rurais.

Outra prática que deve ser incentivada são as cooperativas de pequenos produtores para plantação de cana-de-açúcar, ou seja, ao invés das usinas montarem e se apropriarem de latifúndios com milhares de alqueires de terra, os pequenos produtores plantam e vendem a cana para as usinas, de preferência para as usinas comunitárias; ou então, os pequenos produtores alugam suas terras para as usinas plantarem cana, etc. Essa prática, utilizada em alguns locais, incentiva o cooperativismo e divide os ganhos com a produção de biocombustíveis. Além disso, ela evita o ressurgimento das oligarquias da cana, assim como a concentração de poderes, econômico e político, nas mãos dos usineiros.

Outro elemento importante desse tema é a questão ambiental. Esse elemento se divide em dois itens: 1) os canaviais não podem avançar sobre a floresta ou ocupar espaço de outros agronegócios, empurrando-os para áreas florestais; 2) a produção da cana tem que abandonar as técnicas de queimadas; 3) Desertificação.

Como disse anteriormente, já tem usina de açúcar dentro da floresta amazônica. Portanto, já existem variedades de cana e tecnologia para desenvolver canaviais nessa região. Contudo, isso não pode ocorrer, pois a floresta com sua biodiversidade é mais lucrativa, para a coletividade, do que os biocombustíveis. Além disso, não é só o Brasil que precisa das riquezas da Amazônia, mas a vida no planeta depende da floresta.

Basta ver as derrubadas realizadas nas regiões canavieiras. Não há uma árvore sequer no meio dos canaviais. Derrubam tudo, até mesmo nas beiras de rio (matas ciliares), assoreando os leitos dos rios. Derrubam para ocupar melhor o terreno, pois as árvores atrapalham o plantio de cana e a movimentação de maquinários. Além disso, sem a mata e durante o plantio e crescimento da cana, o solo fica descoberto e desprotegido, logo o sol incide diretamente na terra, aumentando a temperatura do solo, matando os micro-organismos e ocasionando erosão.

Outro problema gravíssimo são as queimadas. Quem mora em cidades próximas dos canaviais conhece bem esse problema, principalmente quando a fumaça e as fuligem começam a tomar conta de tudo. Pior do que isso, as queimadas são feitas em círculos fechados nos talhões. Assim, os animais que se encontram dentro do círculo morrem queimados, pois não há como fugir. Morrem principalmente cachorro do mato, tamanduá, capivara, tatu, cobras, passarinhos (principalmente filhotes), etc.

Há ainda o problema da água utilizada para lavar a cana que chega na usina. Essa água é utilizada para irrigação das terras próximas, ou então, é jogada nos rios próximos. Como essa água é excessivamente ácida ela mata os microorganismos presentes na terra, causando desertificação. Por isso os usineiros arrendam as terras por apenas cinco anos, pois após esse período a terra não produzirá mais a quantidade esperada e o solo necessitará de correções químicas para voltar a produzir. Contudo, esse processo de recuperação pode levar mais de 5 anos e custará caro.

O Brasil é um país onde a concentração de riquezas chega a níveis insuportáveis. E a ampliação dessa concentração levará, certamente, a uma revolução social, pois a única forma de se quebrar os elos de dominação, opressão e exclusão será a violência e o extermínio das classes dominantes. Isso ocorreu na França onde a nobreza e o rei (grupos dominantes) foram exterminados. Isso ocorreu na Rússia, onde os Czares e seus aliados foram dizimados.

Também ocorreu na Alemanha, onde o partido nazista conseguiu canalizar o ódio social contra o povo judeu que eram os grupos dominantes do país. Basta lembrar que os Judeus controlavam o sistema financeiro e bancários, assim como as indústrias e o comércio na Alemanha.