a2000-09

A HONRA DA MAFIA E A FALTA DE HONRA DA JUSTIÇA

As confissões de um dos principais protagonistas da mafia do após-guerra italiano: Tommaso Buscetta, feitas em colóquios com o principal estudioso da alta criminalidade, descritas no livro "Addio Cosa Nostra", (Adeus Mafia), teve duas edições em dois meses,Maio e Junho de 1994, num momento alto da Justiça italiana quando Antonio Di Pietro minou a política corrupta e mafiosa de Itália. Em Agosto do ano 2000 encontrei-o à venda num livreiro de rua, em saldo, por metade do preço. Parecem ser um hino de esperança para o fim da mafia. Meia dúzia de anos mais tarde tudo se encaminha para o antigo, com outros métodos, com a mesma ineficiência da Justiça e com a grande eficiência da actividade criminal.

O que mais me impressiona è a fidelidade aos seus valores nas estruturas da mafia e a falta de valores e ideais no sistema judicial tradicional. Dentro da mafia a palavra dada num acordo comercial tem muito mais valor do que um contrato com todas as assinaturas da sociedade normal.

A mafia genuína era chamada "Cosa Nostra", (ou também "honrada sociedade"), e os seus membros eram chamados "uomini d`onore", (homens honrados). Para fazerem parte da organização, investigavam sobre as duas gerações anteriores e bastava uma "história de cornos", (uma infidelidade), ou qualquer colaboração com a polícia e a Justiça contra a mafia para ser excluído. Ao entrar para a organização era chamado "uomini d`onore", ( "homem de hora") na "Cosa Nostra", (mafia siciliana), ou "uomini di respetto", ( "homem de respeito") na "`Ndrangheta", mafia da Calábria, Se um mafioso pertencente à organização mente a outro mafioso pode ser condenado a um pesado castigo ou mesmo à morte. Se dentro da organização um indivíduo falta à palavra rouba e foge a mafia acaba quase sempre por fazer-lhe a sua justiça. Isto cria um clima de eficiência e confiança entre os seus membros.

Por contraste, recordo um anterior ministro da Justiça de Portugal a querer explicar por razões económicas um aumento de 20% ao ano nos últimos 7 anos da chamada "pequena criminalidade". Para mi è evidente que se a Justiça castiga mais as vítimas da criminalidade do que os criminosos mesmo quando perfeitamente identificados è natural que os mais espertalhões com menos princípios morais passem a vigarizar em vez de trabalharem honestamente. Eu fui mais castigado por me queixar à polícia de me roubarem uma bicicleta do que o ladrão.

A mafia nasceu e desenvolveu-se por falta da Justiça pública oficial. Recordo que quando me roubaram uma grande fortuna em Itália várias pessoas me disseram que era melhor recorrer à mafia do que à Justiça. Recorri à Justiça e reconheci depois que tinha feito muito mal: os ladrões perfeitamente identificados continuaram a sua vida normal e depois de muito trabalho e muitas despesas o meu material foi-me entregue vários anos depois todo podre e sem valor. Não duvido de que a mafia seria muito mais justa e eficiente do que a Justiça. Não duvido que uma Justiça eficiente, com profissionais de princípios morais elevados, mais empenhados em fazer justiça do que cumprir leis, será o melhor caminho para um mundo melhor. Mas se a Justiça não fizer justiça, mais vale a justa vingança do que a impunidade da injustiça.

Lipc (li=Para livro em preparação: "ITÁLIA E SEUS QUERIDOS CRIMINOSOS")

POLÍTICA E CULTURA À ITALIANA

Num jornal, (La Stampa, 02.09.2000), vinha a foto do anterior ministro da Justiça de Itália, Deliberto, (também chamado "ministro da terrorista" pelo seu empenho na transferência da Baraldini de uma prisão americana para uma italiana), com a sua resposta à pergunta de um jornalista sobre as qualidades do novo candidato a Presidente: "o novo candidato deve ter as qualidades para derrotar Berlusconi". Parece que a política se transformou numa guerra de poderes e os mais aguerridos são mais importantes do que os mais competentes. Parece que os políticos se interessam mais por derrotar os adversários do que pelo bem do país. Numa Itália de cultura muito mafiosa e criminal, um ministro de Justiça que pareceu mais preocupado com a transferência de uma terrorista de uma prisão americana para uma italiana do que com a luta ao terrorismo, continua a ser tomado em grande consideração e a ter fotos nos jornais por dizer banalidades deste género. Baraldini, a terrorista transformada em heroína anti-americana, anti-capitalismo, pró-comunista, quis ser utilizada como meio de dar votos à esquerda. Mas Berlusconi mostrou que tem muito mais bom senso de eficiência do que certos políticos. A "santa terrorista", (Baraldini), que devia ser uma vitória da esquerda acabou por ser em parte o seu caixão: muita gente está farta destes políticos que em vez de combaterem a criminalidade, mafia e terrorismo gastam o seu tempo e fortunas dos contribuintes com estas fantochadas enquanto milhões de queixas são arquivadas e grandes criminosos saem das prisões sem julgamento.

 

JUSTIÇA AMERICANA, POLÍTICOS DA EUROPA E JORNALISMO NUMA CULTURA MAFIOSA

No dia 02.09.2000 os tele-jornais italianos começaram a bombardear: "faltam 12 dias para o italo-americano condenado à morte nos USA … declara-se inocente e vítima de um complot … desapareceu dos arquivos do tribunal o material que poderia provar a sua inocência … as provas foram encontradas mas …" Os meios de informação italianos fazem crer que muito provavelmente está inocente. Um condenado à morte nos USA que eventualmente será executado dentro de 12 dias ocupa muito mais os órgãos de informação do que os que morrem todos os dias em Itália: mais um ourives foi encontrado morto vítima de ladrões mas quase não dá notícia porque è mais um de tantos que são vítimas da grande e pequena criminalidade.

Nos dias seguintes o interesse da imprensa italiana para salvar o italo-americano continuou a aumentar: apareceu em vários tele-jornais, o "síndaco", (Presidente da Câmara) de Palermo Leoluca Orlando ofereceu-lhe a honra de cidadão honorário da cidade. Não seria melhor ocupar-se de salvar a vida das inocentes vítimas da mafia? Mas numa cultura mafiosa lutar contra a mafia è perigoso, tira votos e popularidade ao passo que levantar a bandeira contra a pena de morte è popular e dá direito a entrevistas na televisão, nome nos jornais e a benção do poder do crime.

Alguém ofereceu 50.000 dólares a quem encontrasse provas da sua inocência. Porque será que ninguém se lembra de oferecer essa soma a quem contribuir para meter na prisão os responsáveis por milhares de mortes de inocentes? Imaginemos que as leis de expropriação dos bens dos grandes criminosos se cumpriam realmente. Imaginemos que se davam ao menos dez por cento aos colaboradores com a Justiça que ajudassem a prender os grandes criminosos. Imaginemos que aos grandes criminosos se dizia logo no momento da prisão: "Podes jurar dizer a verdade. Se o fizeres e disseres só a verdade não poderás ser condenado à prisão perpétua. Se não jurares dizer a verdade, se não colaborares, se disseres mentiras serás condenado à pior das prisões para toda a vida ". Quantas dezenas, centenas ou milhares de inocentes se salvariam com a prisão perpétua de alguns dos grandes criminosos ?

O "Corriere Della Sera", 00-09-05, publicou num título que faltam 9 dias para a execução do famoso italo-americano Rocco. Mais referências às provas perdidas e encontradas e aos que não interrompem as férias para fazerem análises que o possam salvar. Não encontrei a notícia do ourives encontrado morto num banho de sangue ou do assassino condenado à prisão perpétua que nas saídas prémio depois de 23 anos de prisão matava prostitutas. Não salvarão mais vidas de inocentes os americanos com a sua pena de morte do que os italianos com o seu paraíso para os criminosos?

Parecem-me duas loucuras: a americana que condena à morte um indivíduo acusado de um crime que parece não ter cometido sem investigar realmente todas as possibilidades de descobrir a verdade: a europeia que se empenha mais em salvar alguns poucos condenados à morte nos USA do que a salvar milhares de vítimas inocentes da criminalidade. Os meios de informação e os políticos parecem-me cair no ridículo: A morte de um condenado nos USA faz mais notícia de que milhares de vítimas das mafia que talvez se evitassem com a condenação de alguns criminosos; os políticos, não sei se por princípios morais ou por caça ao voto, parecem mais empenhados com a salvação de um condenado do que com a salvação de milhares de inocentes e a transformação da actividade criminal e anti-social em actividade produtiva e ao serviço do bem estar geral. O Presidente Italiano Amato foi aos USA e dos meios de informação parece que o seu principal objectivo è salvar Rocco da pena de morte. Vários deputados da esquerda e direita deslocaram-se aos USA para salvarem Rocco. À custa de quem? Os familiares das vítimas da criminalidade ficarão contentes de pagarem impostos para os seus políticos irem à América salvar condenados?

Dois jovens que escutavam música no seu carro foram confundidos com os guarda-costas de um conhecido boss da "camorra", (mafia de Nápoles) e morreram crivados de balas. Mais dois inocentes de uma guerra entre duas famílias mafiosas que disputam à lei da bala a concessão da limpeza da cidade. Há mais de 10 anos que leio notícias destas guerras para apanharem as concessões da limpeza de Nápoles. Recordo um noticiário que mostrava os homens da recolha do lixo escoltados pela polícia. A limpeza da cidade custa proporcionalmente o dobro de outras cidades. Os contribuintes pagam para que a limpeza de uma cidade se transforme num tesouro, para que os guerreiros da caça ao tesouro vencedores tenham a polícia a protegê-los, para uma Justiça que não condena os responsáveis da morte de inocentes, perfeitamente conhecidos dos jornais, intocáveis perante esta Justiça tradicional que me parece uma grande fantochada: só as provas e as testemunhas que confirmam em tribunal têm valor. Mas quem tem coragem de ir a um tribunal testemunhar contra mafiosos quando se sabe que raramente ficam nas prisões e mesmo que fiquem continuam a mandar e a ordenar assassinos das próprias prisões?

È curioso que só soube da morte destes dois jovens por causa da polémica de uma lápide que o boss mafioso não quer frente à sua casa. Da leitura do "Corriere Della Sera", 11.09.2000, imagino que um boss construiu abusivamente o seu reino com sua estrada privada e o seu exército de advogados quer remover a lápide aos jovens assassinados porque a considera uma afronta moral e uma apropriação para uso público de um espaço privado. Todos os dias os meios de informação batalham para salvar um condenado à morte nos USA. Não seria melhor se batalhassem para salvar as vítimas da mafia e criminalidade em Itália? Os políticos foram aos USA e empenharam-se em salvar um italo-americano condenado à morte com acusa de violar e matar a namorada. Não evitariam muitas mais mortes de inocentes se tivessem igual empenho contra a mafia e criminalidade em Itália? Porque será que a morte de um italo-americano com um passado nada exemplar comove mais a opinião pública italiana do que uns jovens inocentes que são crivados de balas porque confundidos com mafiosos? Quantos inocentes que morrem todos os dias sem darem noticia se salvariam com uma Justiça mais eficiente e política menos corrupta?

No dia 15.09.2000 os telejornais italianos começaram com a execução do condenado à morte nos USA, os dois diários que vi: "La Stampa" e "Corriere Della Sera" deram-lhe grande parte da primeira página e duas páginas interiores. Este caso mais o da "santa terrorista" ocuparam um espaço enorme nos meios de informação italianos. Porquê tanta sensibilidade por um condenado à morte nos USA e tão pouca pelos inocentes que morrem vítimas da mafia e criminalidade? Quantas vidas de inocentes se salvariam se o empenho com uma terrorista e um condenado à morte fosse orientado na luta contra a mafia e criminalidade?

Mas numa cultura mafiosa è mais popular lutar contra um Estado do que contra a mafia. Os inocentes mortos pela mafia não tocam sensibilidades nem causam escândalo. Passam despercebidos os assaltos aos comboios, os mortos inocentes da mafia para manter os seus valores de que no Sul quem quiser trabalhar deve pagar o seu contributo para os parasitas da criminalidade.

Curioso como em Itália se fez tanta propaganda e tantos protestos por um condenado à morte nos USA e passou quase despercebido que o vice-presidente da China foi condenado à morte por corrupção. Terão medo que a moda pegue em Itália?

Lzf2 (lz= para livro de ficção em preparação: "O ZÉ JUSTO NA REPÚBLICA DAS BANANAS")

A CEIA DOS INTELECTUAIS.

TEMA DO DIA: OS FANÁTICOS DO MUNDO BOM (2).

Na última ceia dos intelectuais o ZÉ JUSTO perdera prestígio e autoridade. Aquela saída de protesto deixou o campo livre ao "NOVO CHE", ou "CHE2", que deixara seguidores. Temia uma divisão em dois grupos: os fanáticos contra os moderados. Os fanáticos seguidores do NOVO CHE corriam o risco de transformar-se em associação criminal. O ZÉ JUSTO queria restabelecer a legalidade. Empenhando todos os seus meios conseguiu um convidado muito especial que poderia contribuir para restabelecer a sua autoridade e unidade: Tommaso Buscetta. Tendo sido um protagonista da mafia e tendo-se arrependido e colaborado para ajudar o Estado a desmantelá-la seria um trunfo para dar uma lição moral aos fanáticos seguidores do NOVO CHE.

A palavra tinha passado de boca em boca e todos queriam conhecer o herói do famoso livro "Addio Cosa Nostra". Quando foi apresentado todos o aplaudiram de pé e ficaram de boca aberta para devorar as suas palavras:

"A mafia era uma sociedade secreta que surgiu na Sicília para manter uma espécie de governo autónomo com as suas leis, os seus valores morais e a sua forma de fazer justiça. O Estado italiano centrado em Roma não respondia às exigências culturais e sobretudo à necessidade de Justiça. A mafia era uma sociedade secreta com ritos de iniciação e códigos de honra a respeitar. A punição com a morte a quem faltasse aos códigos de honra transformava esta organização ordenada e eficiente. A principal finalidade era a de fazer justiça. Os pobres não se podiam permitir o luxo de pagar advogados e tribunais. A mafia era mais justa e eficiente.

Depois a mafia chegou a Roma, comprou políticos, corrompeu-se com os rios de dinheiro da droga e das concessões de obras públicas e degenerou em guerras de caça ao tesouro. Quando saí da prisão encontrei uma mafia diferente, sem valores, sem ideais, cheia de ambiciosos sem escrúpulos. Não me reconhecia nessa mafia. Abandonei-a e tentei levar uma nova vida normal no Brasil. Mataram os meus filhos que não entravam nada com a mafia ..."

A comoção impediu-o de continuar e um aplauso surgiu espontâneo. Depois continuou:

"Aqueles vermes que mataram os meus filhos merecem mais do que a morte: merecem apodrecer na prisão. Hoje a Justiça funciona e a mafia deixou de ter razão de existir. Até o potente Andreotti foi processado. Foi a cumplicidade a alto nível político que permitiu à mafia de prosperar sem obstáculos até aos anos 80. Lamento de não ter podido falar com o Juiz Falcone sobre essas relações. Mas se tivesse falado muito acabaríamos ambos no manicómio: eu no criminal e ele no civil."

Outros tomaram a palavra:

a2000-07 = JUSTIÇA E OPINIÃO PÚBLICA NA GUERRA ENTRE ESTADO E CRIMINALIDADE

a2000-06 = CARTA ABERTA AO JUIZ QUE JULGARÁ O ADVOGADO QUE DESCEU ABAIXO DE CÃO.

a2000-05 = O SEXO DOS ANJOS NA FILOSOFIA TRADICIONAL … E OUTRAS IDEIAS …(Maio 2000)

a2000-04 = CRIMINALIDADE, JUSTIÇA, POLÍTICA … IDEIAS VÁRIAS PELA ORDEM EM QUE FORAM ESCRITAS EM ABRIL 2000

a2000-03 = TEXTOS VÁRIOS SOBRE JUSTIÇA, POLÍTICA, JORNALISMO E FILOSOFIA DA SOCIEDADE

a2000-02 = TEXTOS EM FEVEREIRO 2000 NA ORDEM EM QUE FORAM ESCRITOS

a2000 = TEXTOS  ESCRITOS EM JANEIRO  DO ANO 2000

A99 = VIAGEM A PORTUGAL... (1999, 11-12).

Cape = CARTAS ABERTAS AO PARLAMENTO EUROPEU.

LB= "BÍBLIA DA NOVA JUSTIÇA".

LI = "ITÁLIA E SEUS QUERIDOS CRIMINOSOS".

LP="PUBLICIDADE: DEUSA E DEMÓNIO DA SOCIEDADE DE CONSUMO".

LZ= "O ZÉ JUSTO NO PAÍS DAS BANANAS". (Livro de ficção inspirado em factos reais da sociedade actual).

JIIMM: JORNAL INTERNET DE IDEIAS PARA UM MUNDO MELHOR: http://members.xoom.it/jiimm (1ª página).