Interpretação pós-positivista dos benefícios em geral

 

1. Introdução

Este tem por objetivo analisar alguns aspectos da nova interpretação dos benefícios previdenciários no âmbito do Direito da Seguridade Social, firmada pela recente jurisprudência.

É importante assinalar que o  modelo  atual  de  Seguridade  Social  começou  com  Otto  Von  Bismarck,  na Alemanha, em 1883, que introduziu uma série de seguros sociais para atenuar a tensão existente nas classes trabalhadoras. Em  1883  foi  instituído  seguro-doença,  em  1884  o  seguro  contra  acidente  de trabalho e em 1889 o seguro de invalidez e velhice.

O  sistema  de  Bismarck  consagrou  o  sistema  tríplice  de  custeio  (Estado, empregadores e empregados), tornando como conseqüência obrigatória a filiação às sociedades seguradoras ou entidades de socorros mútuos. Bismarck tinha como objetivo principal conter as idéias socialistas que surgiam.

A partir de 1917 surgiu a fase do constitucionalismo social, o primeiro país a incluir o seguro social em sua Constituição foi o México (artigo 123), a Constituição soviética (1918) também tratava de direitos previdenciários.  A Constituição de Weimar (Alemanha em 1919) foi inovadora na medida que determinou que caberia ao Estado prover a subsistência do cidadão alemão caso não pudesse proporcionar a ele a oportunidade de ganhar a vida com um trabalho produtivo.

No Brasil o assunto foi tratado Constitucionalmente a partir de 1934. Já a Constituição de 1988 trata da matéria nos artigos de 194 a 204, a Seguridade Social  (gênero)  passou  a  subdividir-se  em  três:  Previdência  Social  (201,  202), Assistência Social (203, 204), Saúde (196 a 200).

E, de acordo com o Professor Orione (2006), a interpretação pós-positivista do sistema de segurança social é uma interpretação essencialmente de princípios e que os princípios revelam os conceitos constitucionais dentro de um patamar de unidade político-constitucional. Obtido o conceito, a partir dos princípios, tem-se que todo sistema infraconstitucional, e também a atuação da administração pública, deve-se submeter a esse conceito constitucional. Assim, a interpretação deve-se fazer à luz desta perspectiva e daquela segundo a qual os direitos sociais são direitos fundamentais: portanto, ao lado dos direitos fundamentais individuais, existem os direitos fundamentais sociais, e a estes deve ser aplicada toda a metodologia de interpretação e de dicção do direito que é aplicável aos direitos individuais, no sentido da maximização de resultados.

Enfim, a tendência atual é interpretar os benefícios sociais a partir dos princípios constitucionais, considerando-se os direitos sociais como direitos fundamentais da pessoa e os benefícios sociais como proventos de caráter alimentar, logo, essenciais para a sobrevivência do segurado. Além disso, toda interpretação previdenciária deve ser feita a partir do princípio da dignidade humana, fundamento do Estado Democrático de Direito.

2. A seguridade social na Constituição de 1988

O Título VIII da Constituição Federal, que trata Da Ordem Social, estabelece que a previdência é apenas uma das seções da seguridade social (tratada em todo o Capítulo II desse mesmo Título). Assim, segundo  as  disposições  da CF/88, a  seguridade  social  compreende  um  conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos  relativos  à  saúde,  à  previdência  social  e  à  assistência  social    (artigo  194,  “caput”).

A  saúde  é  direito  de  todos  e  dever  do  Estado,  garantida  mediante  políticas  sociais  e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário  às  ações  e  serviços  para  sua  promoção,  proteção  e  recuperação  (artigo  196  da Constituição Federal).  Além disso, a  CF/88 previu a criação de um Sistema Único de Saúde (SUS).

Busca-se, assim, uma ação conjunta entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios (artigo 194, “caput”, da CF/88). E, como regra, a União fixa as políticas gerais. Compete a ela, por exemplo, fazer as grandes campanhas  publicitárias  de  prevenção  a  doenças.  Aos  Estados  e  Distrito  Federal  incumbe  a prestação  do  serviço  de  saúde  (Hospitais  Regionais),  enquanto  aos  Municípios  incumbe  o atendimento emergencial, bem como a triagem e o acompanhamento dos casos que demandam intervenção especializada.

A previdência social visa propiciar os meios indispensáveis à subsistência da pessoa humana – quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável que os aufira pessoalmente através do trabalho, por  motivo  de  maternidade,  nascimento,  incapacidade,  invalidez,  desemprego,  prisão,  idade avançada, tempo de serviço ou morte – mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos participantes.

Nesse sentido, o artigo 1º da Lei n. 8.213/91 dispõe que “a Previdência Social, mediante contribuição, tem por  fim  assegurar  aos  seus  beneficiários  meios  indispensáveis  de  manutenção,  por  motivo  de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e de prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente”. 

A  previdência  social,  no  que  se  refere  ao  Regime  Geral,  pertinente  à  maioria  dos trabalhadores, é administrada pelo INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, autarquia federal, que tem por finalidade: 

•  a arrecadação e a administração das contribuições previdenciárias;

•  a concessão e a manutenção das prestações previdenciárias.

A Assistência Social – uma das vertentes da Seguridade Social, de acordo com a estrutura traçada pelo Título VIII da Constituição Federal – consubstancia-se num conjunto de planos e programas assistenciais promovidos pelo Estado com o apoio de particulares (art. 204, II, da CF), destinados a amparar aqueles indivíduos necessitados, que não possuem condições de sustento próprio, nem de levarem, por seus próprios meios, uma vida digna e saudável.

Tendo em vista que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), o constituinte buscou implantar, por meio da assistência social, um mecanismo de persecução dos objetivos fundamentais de nosso Estado, arrolados no art. 3º da Carta Constitucional: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem qualquer distinção.

Assim, com a finalidade de: a) proteger a família, a maternidade, a infância, a adolescência e a velhice; b) amparar as crianças e os adolescentes carentes; c) promover a integração ao mercado de trabalho; d) habilitar e reabilitar as pessoas portadoras de deficiências e promover a sua reintegração à vida comunitária; e e) garantir o benefício de um salário mínimo mensal às pessoas carentes, na forma da lei (art. 203 da CF), o Estado promove uma série de programas assistenciais, visando a uma política de inclusão social cada vez mais necessária hodiernamente.

A principal característica da Assistência Social é a possibilidade de serem seus programas e benefícios usufruídos por qualquer pessoa, atendidos os requisitos da lei, independentemente de qualquer espécie de contribuição, ao contrário do que ocorre em relação à Previdência Social. A vertente assistencial da Seguridade Social concretiza da forma mais explícita, portanto, o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento (art. 194, I, da CF). 

O  Instituto  Nacional  de  Seguro  Social (INSS) também atua,  extraordinariamente,  no âmbito da assistência social. Isso ocorre no caso da garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família, o que é previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal. Esse benefício assistencial pago pelo Instituto Nacional de Seguro Social foi regulamentado pela Lei n. 8.742/93, que determina que fará jus ao benefício quem ganhar até ¼ do salário mínimo, como renda per capita da família. É um benefício que não exige a contribuição anterior.

Enfim, a seguridade social possui uma série de benefícios que são distribuídos nas três áreas citadas: saúde, previdência ou assistência social. O que diferencia esses benefícios é a contribuição, ou seja, alguns benefícios somente são acessíveis mediante uma contribuição anterior, enquanto outros são de acesso gratuito.

3. a interpretação pós-positivista dos benefícios

De acordo com a Juíza Federal Leiria (2002, p.53), a jurisdição previdenciária está ligada diretamente ao fim social; seu objetivo tem nítido caráter alimentar e, tanto na interpretação dos textos que regulam a matéria, quanto no exame do pedido, necessária a utilização de uma interpretação com temperamentos, com filtragem constitucional e assentada nos princípios norteadores de proteção e garantia aos direitos fundamentais, uma vez que tais benefícios se constituem em direitos sociais protegidos pela Constituição Federal. Estão consagrados na Constituição, como fundamentos, entre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana. A combinação desses dois amplos princípios é, sem sombra de dúvida, o que motiva a existência da seguridade social, fomentada pelo Estado, e, mais especificamente, da previdência social.

Já o Professor Orione (2006, p.120) assinala que a leitura do sistema da seguridade social deve ser feita a partir da Constituição e não a partir dos atos normativos infraconstitucionais ou mesmo dos atos administrativos que, aparentemente, possuem efeito normativo. Em especial em matéria previdenciária, não é possível ceder à primeira tentação de dizer o direito apenas a partir daquilo que dizem as instruções normativas, as portarias e os demais atos administrativos.

Contudo, ressalta Marcus Orione (2006, p.121), há uma grande dificuldade dos operadores do direito na utilização do sistema constitucional. Por isso, muitas vezes, esses profissionais do direito embasam suas interpretações nos atos administrativos e, quando muito, chegam às leis ordinárias e, se restar fôlego, alguns ainda conseguem visitar o texto constitucional. Portanto, a essência está no estudo da interpretação constitucional da seguridade social.

Além disso, o Professor Orione (2006, p.127), considera que as decisões devem ter como patamar a preservação do princípio da dignidade humana/democracia. Estes postulados são fundamentais para a compreensão de um sistema de segurança social. Assim, os princípios fazem revelar os conceitos constitucionais ou os conceitos constitucionais são subtraídos ou extraídos dos princípios informadores daquele conceito. Logo, havendo um conceito de previdência social, este deve ser extraído do texto constitucional, o mesmo ocorrendo com a saúde e a assistência social. Portanto, esta tríade que forma o direito da segurança social é revelada pela própria Constituição por meio dos princípios, ou seja, estes conceitos somente são formados a partir daquilo que o legislador constituinte deseja que eles sejam.

Em outro ponto do artigo, o Professor Orione (2006, p.128) defende a idéia de que os direitos sociais são direitos fundamentais. E explica que o posicionamento como direitos fundamentais dos direitos sociais significa que toda metodologia de interpretação aplicável aos direitos fundamentais deve ser colocada à disposição do sistema de segurança social, inclusive deve-se utilizar, para ambos, a mesma metodologia de interpretação. Portanto, hoje em dia os direitos sociais, assim como os direitos individuais, também devem ser tratados como cláusulas pétreas.

O Professor Orione (2006, p.132) afirma ainda que a idéia do pós-positivismo consiste na busca dos princípios constitucionais para se alcançar o justo a partir da possibilidade de justiça constitucional de uma determinada unidade política. Então, o que se busca é o justo possível dentro de um sistema capitalista. Porque esse foi o sistema amparado pelo modelo constitucional brasileiro.

Nesse sentido, reforça o Professor Orione (2006, p.134), a patrimonialização de tudo aquilo que é direito fundamental social, se for admitida, deve ser feita de forma a dignificar o homem. Portanto, até um certo patamar, onde eles estão ligados à própria pessoa, estes direitos são de personalidade, eles não são patrimoniais. Assim, enquanto o salário é indispensável à própria sobrevivência, ele é direito de personalidade e não direito patrimonial – o mesmo se dando com o benefício previdenciário ou o direito à saúde.

Enfim, resumindo as idéias do Professor Orione (2006), pode-se dizer que a interpretação no sistema de segurança social é uma interpretação essencialmente de princípios e que os princípios revelam os conceitos constitucionais dentro de um patamar de unidade político-constitucional. Obtido o conceito, a partir dos princípios, tem-se que todo sistema infraconstitucional, e também a atuação da administração pública, deve-se submeter a esse conceito constitucional. Assim, a interpretação deve-se fazer à luz desta perspectiva e daquela segundo a qual os direitos sociais são direitos fundamentais: portanto, ao lado dos direitos fundamentais individuais, existem os direitos fundamentais sociais, e a estes deve ser aplicada toda a metodologia de interpretação e de dicção do direito que é aplicável aos direitos individuais, no sentido da maximização de resultados.

4. julgados sobre o tema

4.1 Primeiro Julgado

Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO

Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL

Processo: 200170070003963 UF: PR Órgão Julgador: QUINTA TURMA

Data da decisão: 08.06.2004 Documento: TRF400098533

JUIZ NÉFI CORDEIRO

(…)

1. A Constituição Federal exige apenas dois requisitos no tocante ao benefício assistencial de que trata o art. 203, V: (a) condição de deficiente (pessoa portadora de deficiência) ou idoso e (b) situação de desamparo (não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).

2. A exigência, para a percepção do benefício, de ser a pessoa incapaz para a vida independente, se entendida como incapacidade para todos os atos da vida, não se encontra na Constituição. Ao contrário, tal exigência contraria o sentido da norma constitucional, seja considerada em si, seja em sintonia com o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), ao objetivo da assistência social de universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único, I) e à ampla garantia de prestação da assistência social (CF, art. 203, caput).

3. O requisito incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; (d) não pressupõe dependência total de terceiros; (e) apenas indica que a pessoa portadora de deficiência não possui condições de autodeterminar-se completamente ou depende de algum auxílio, acompanhamento, vigilância ou atenção de outra pessoa, para viver com dignidade.

4. In casu, comprovado o preenchimento dos requisitos legais, de conceder-se o benefício em favor da parte autora, desde a data do requerimento administrativo.

4.2 Segundo Julgado

Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO

Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL - 463283

Processo: 200071050006373 UF: RS Órgão Julgador: QUINTA TURMA

JUIZ CELSO KIPPER

(…)

1. Não se conhece de parte do apelo que inova, introduzindo insurgência não veiculada na contestação.

2. A doutrina constitucional, nacional ou estrangeira, é torrencial no sentido de que o legislador, em sua tarefa de concretização, está obrigatoriamente vinculado, antes de mais nada, ao texto constitucional, ou, em outras palavras, o texto constitucional limita a interpretação feita pelo legislador ao concretizar a norma constitucional (KONRAD HESSE). Em conseqüência, o legislador encontra-se vinculado ao conteúdo constitucionalmente declarado dos direitos fundamentais, e se se aparta deste, cabe ao juiz protegê-lo, com o que é o juiz e não a lei a garantia última dos direitos (RUBIO LLORENTE).

3. A Constituição Federal exige apenas dois requisitos no tocante ao benefício assistencial de que trata o art. 203, V: (a) condição de deficiente (pessoa portadora de deficiência) ou idoso e (b) situação de desamparo (não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família). Ou seja, buscou a norma constitucional garantir o benefício assistencial a toda pessoa portadora de deficiência que não possuísse mínimas condições econômicas de subsistência, próprias ou de sua família.

4. A exigência, para a percepção do benefício, de ser a pessoa incapaz para a vida independente, se entendida como incapacidade para todos os atos da vida, não se encontra na Constituição. Ao contrário, tal exigência contraria o sentido da norma constitucional, seja considerada em si, seja em sintonia com o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), ao objetivo da assistência social de universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único, I) e à ampla garantia de prestação da assistência social (CF, art. 203, caput). Se aquela fosse a interpretação para a locução incapacitada para a vida independente, constante no art. 20 § 2º, da Lei 8.742/93, o legislador teria esvaziado indevidamente o conteúdo material do direito fundamental da pessoa portadora de deficiência, deixando fora do seu âmbito uma ampla gama de pessoas portadoras de deficiência incapacitante para o trabalho, e, em conseqüência, incorreria em inconstitucionalidade.

4.3 Terceiro Julgado

PROC. : 2004.03.00.048168-6 MC 4.148 - ORIG. : 200203990014077/SP 0000000961/SP

REQTE : AIDINHO RONCHI - ADV : DONATO LOVECCHIO

REQDO : Instituto Nacional do Seguro Social – INSS - ADV : HERMES ARRAIS ALENCAR

RELATOR : DES.FED. MARISA SANTOS / NONA TURMA

(…)

É o relatório. Decido.

(…)

Acesso à justiça é garantia fundamental e, justamente por isso, não pode ser usada como critério de discriminação em prejuízo de quem legitimamente procurou a justiça!

Sob o prisma dos direitos sociais, nos quais se inclui a previdência social (art. 6º, Constituição Federal), o art. 2º da Medida Provisória nº 201 também não se sustenta. Previdência social é uma das formas de proteção social, cujos fins, nos termos do art. 193 da Constituição, é garantir bem-estar e justiça sociais.

Justiça social nada mais é do que reduzir desigualdades sociais e regionais, objetivo do Estado Democrático de Direito, nos termos do art. 3º, III, da Constituição.

Se o objetivo dos benefícios previdenciários, que são, por definição constitucional, direitos sociais, é reduzir desigualdades, não podem prevalecer normas que, a pretexto de viabilizar o caixa da previdência, acentuem desigualdades ao invés de reduzi-las. Por isso, condicionar a revisão do benefício previdenciário, autorizada pelo art. 1º da MP 201, à adesão ao acordo, é o mesmo que condicionar bem-estar e justiça sociais, o que é inconcebível.

A proteção social dada pela previdência é de natureza alimentar, como reiteradamente tem demonstrado a doutrina e decidido a jurisprudência. Prestação alimentar não pode ser objeto de transação, a menos que seu objeto seja ampliá-la e não restringi-la.

As verbas em atraso, que o Poder Executivo confessou serem devidas, num exame preliminar, podem ser objeto de transação pelo só fato de que o segurado sobreviveu sem a prestação alimentar até a data do “acordo”. Mas a atualização da renda mensal do benefício, daqui para o futuro, não pode sofrer como condição a renúncia a direitos do passado, sob pena de comprometer-se, de agora em diante, a sobrevivência daqueles que já foram por mais de dez anos solapados em seus direitos.

Em termos previdenciários, o passado está consolidado, e o futuro é inegociável.

Em tudo que acima foi exposto reside a fumaça do bom direito do requerente.

Quanto ao perigo da demora, também já está devidamente assentado. Se o requerente quiser a atualização imediata da renda mensal do benefício, deverá renunciar a parte de seus direitos já consolidados, e, o que é pior, nos autos de um processo em que já se saiu vencedor depois de muito esperar. E esperar justamente porque o Poder Executivo demorou para reconhecer seu erro! Se abrir mão do que já lhe está garantido por decisão judicial, terá perdido muito de seu tempo, o que não é justo lhe ser exigido. Se não renunciar a seu direito, terá que aguardar por muito tempo ainda para que lhe seja entregue o que lhe pertence, situação que também é absurda.

Por todas essas razões, concedo a liminar para que o INSS proceda à revisão da renda mensal do benefício previdenciário do autor, nos termos do art. 1º da MP 201/2004, independentemente da adesão ao acordo ou transação judicial prevista no art. 2º da mesma MP.

Intime-se a autoridade administrativa para que cumpra esta decisão em 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária, a ser oportunamente fixada em caso de descumprimento.

Cite-se. Oficiem-se.

São Paulo, 10 de setembro de 2004

MARISA SANTOS - DESEMBARGADORA FEDERAL RELATORA

4.4 Quarto Julgado

Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Classe: AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 735175

Processo: 200500462055 UF: SC Órgão Julgador: QUINTA TURMA

ARNALDO ESTEVES LIMA

1 - Inexistência de omissão no acórdão recorrido que apreciou as questões suscitadas, de forma clara e explícita. Ademais, não há confundir decisão contrária ao interesse da parte com a falta de pronunciamento do órgão julgador.

2 - A Terceira Seção desta Corte, no âmbito da Quinta e da Sexta Turma, firmou entendimento no sentido da impossibilidade dos descontos, em razão do caráter alimentar dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário. Destarte, reconhecida a natureza alimentar dos benefícios previdenciários, incabível é a restituição pleiteada pela autarquia. Aplicando-se, na espécie, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.

3 - Incabível de ser suscitada em sede de agravo regimental questão nova, não debatida no acórdão rescindendo, nem no recurso especial interposto.

4 - Agravo Regimental conhecido, mas improvido.

4.5 Quinto Julgado

Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Classe: EDRESP - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL - 435234

Processo: 200200562543 UF: RJ Órgão Julgador: SEXTA TURMA

1. Em havendo o acórdão embargado, ao restabelecer a sentença de 1º grau, omitido-se em rever os critérios de fixação do termo inicial e de reajuste do benefício previdenciário, objeto de impugnação na apelação interposta pela autarquia previdenciária, merecem acolhimento os embargos, para sanar omissão efetivamente existente.

2. No sistema de direito positivo brasileiro, o princípio tempus regit actum se subordina ao do efeito imediato da lei nova, salvo quanto ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada (Constituição da República, artigo 5º, inciso XXXVI e Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 6º).

3. A lei nova, vedada a ofensa ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada, tem efeito imediato e geral, alcançando as relações jurídicas que lhes são anteriores, não, nos seus efeitos já realizados, mas, sim, nos efeitos que, por força da natureza continuada da própria relação, seguem se produzindo, a partir da sua vigência.

4. "L'effet immédiat de la loi doit être considéré comme la règleordinaire: la loi nouvelle s'applique, dès sa promulgation, à tous les effets qui résulteront dans l'avenir de rapports juridiques nés ou à naître" (Les Conflits de Lois Dans Le Temps, Paul Roubier, Paris, 1929).

5. Indissociável o benefício previdenciário das necessidades vitais básicas da pessoa humana, põe-se na luz da evidência a sua natureza alimentar, a assegurar aos efeitos continuados da relação jurídica a regência da lei nova que lhes recolha a produção vinda no tempo de sua eficácia, em se cuidando de norma nova relativa à modificação de percentual dos graus de suficiência do benefício para o atendimento das necessidades vitais básicas do segurado e de sua família.

6. O direito subjetivo do segurado é o direito ao benefício, no valor irredutível que a lei lhe atribua e, não, ao valor do tempo do benefício, como é da natureza alimentar do benefício previdenciário.

7. Em regra, "(...) o auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria." (artigo 86, parágrafo 2º, da Lei n° 8.213/91).

8. Em não havendo concessão de auxílio-doença, esta Corte Superior de Justiça, interpretando o caput do artigo 86, firmou o entendimento de que, salvo nos casos em que haja requerimento do benefício no âmbito administrativo, a expressão "após a consolidação das lesões" constitui o termo inicial para a concessão do auxílio-acidente, identificando-o com a juntada do laudo pericial em juízo.

9. Embargos de declaração parcialmente acolhidos.

5. comentando os julgados

No primeiro julgado a interpretação pós-positivista dos benefícios previdenciários se evidencia no estabelecimento da Constituição Federal como parâmetro definidor dos requisitos para concessão do benefício assistencial. Além disso, a nova interpretação também é aplicada no uso dos princípios da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), da universalidade da cobertura e do atendimento como objetivo da assistência social (CF, art. 194, parágrafo único, I) e à ampla garantia de prestação da assistência social (CF, art. 203, caput).

No segundo julgado o Magistrado assinala que o legislador, em sua tarefa de concretização, está obrigatoriamente vinculado, antes de mais nada, ao texto constitucional, ou, em outras palavras, o texto constitucional limita a interpretação feita pelo legislador ao concretizar a norma constitucional. Em conseqüência, o legislador encontra-se vinculado ao conteúdo constitucionalmente declarado dos direitos fundamentais, e se se aparta deste, cabe ao juiz protegê-lo, com o que é o juiz e não a lei a garantia última dos direitos. Assim, a decisão considera que tanto o Juiz, quanto o legislador, devem agir em conformidade com os princípios constitucionais e todos os atos praticados por estes entes públicos devem ser avaliados em consonância com a Constituição.

Esse julgado firma, portanto, a supremacia do texto constitucional no âmbito previdenciário, vinculando não só os magistrados, mas todos os demais entes públicos – legislador, servidores públicos, etc – que manejam direitos sociais.

O terceiro julgado é o mais detalhado na expressão da interpretação pós-positivista, pois indica vários argumentos dessa nova tendência, inclusive esse julgado considera que a previdência social é uma das formas de proteção social, cujos fins, nos termos do art. 193 da Constituição, é garantir bem-estar e justiça sociais. E justiça social nada mais é do que reduzir desigualdades sociais e regionais, objetivo do Estado Democrático de Direito, nos termos do art. 3º, III, da Constituição.

Assim, argumenta o Magistrado, se o objetivo dos benefícios previdenciários, que são, por definição constitucional, direitos sociais, é reduzir desigualdades, não podem prevalecer normas que, a pretexto de viabilizar o caixa da previdência, acentuem desigualdades ao invés de reduzi-las. Além disso, o julgado confirma a tese de que a proteção social dada pela previdência é de natureza alimentar, como reiteradamente tem demonstrado a doutrina e decidido a jurisprudência. Logo, sendo prestação alimentar não pode ser objeto de transação, a menos que seu objeto seja ampliá-la e não restringi-la.

O quarto julgado confirma os demais julgado, assinalando, mais uma vez, que há entendimento jurisprudencial no sentido da impossibilidade dos descontos, em razão do caráter alimentar dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário. Destarte, reconhecida a natureza alimentar dos benefícios previdenciários, incabível é a restituição pleiteada pelo INSS. Aplicando-se, na espécie, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.

Nessa mesma linha o quinto julgado afirma que é Indissociável o benefício previdenciário das necessidades vitais básicas da pessoa humana, põe-se na luz da evidência a sua natureza alimentar, a assegurar aos efeitos continuados da relação jurídica a regência da lei nova que lhes recolha a produção vinda no tempo de sua eficácia, em se cuidando de norma nova relativa à modificação de percentual dos graus de suficiência do benefício para o atendimento das necessidades vitais básicas do segurado e de sua família.

Enfim, todos os julgados tomaram por ponto de partida a Constituição Federal e os princípios constitucionais na interpretação dos benefícios previdenciários. Além disso, consideraram tais benefícios qualificados com caráter alimentar, logo essencial à sobrevivência e, por derivação, um direito personalíssimo da pessoa.

Contudo, se no âmbito judicial esse entendimento é unânime e comum, no âmbito administrativo a história é outra, pois a autarquia federal responsável pelos benefícios previdenciários (INSS) trabalha com a idéia de que os benefícios previdenciários são doações do Estado para os particulares. Por isso, atuam de forma arbitrária e  discricionária nas decisões que envolvem tais benefícios.

Exemplos claros disso podem ser vistos nos amontoados de processos judiciais acumulados nas varas federais. Processos que não existiriam se os servidores do INSS aplicassem, em suas decisões, os princípios e as normas constitucionais, assim como a jurisprudência firmada pelos tribunais referentes aos benefícios previdenciários.

A atuação arbitrária e, muitas vezes ilegal, do INSS, decorre da aplicação do princípio popular que diz: “Se não gritou é porque gostou”, ou seja, os entes públicos sabem que o ato ou a conduta que praticam é ilegal e que será anulado pelo judiciário, mesmo assim praticam a ação, pois consideram que poucos irão buscar a proteção judicial e muitos irão aceitar passivamente a ilegalidade e arcar com o prejuízo.

Esse princípio popular faz sucesso principalmente nos órgãos cujos usuários são pessoas hipossuficientes e de pouca cultura. Pessoas que não possuem recursos ou conhecimento para acionar o judiciário e contestar a ilegalidade. Assim, a administração pública utiliza um artifício ilegal para obter vantagens ilícitas, eliminar direitos e explorar os cidadãos hipossuficientes.

Percebe-se claramente que o cidadão que possui conhecimento e recursos não irá se sujeitar à ilegalidade e arbitrariedade do INSS. Certamente, vai buscar e obter a tutela judicial, protegendo assim o seu direito. Mas e o cidadão que não tem conhecimento e nem recursos para pagar um advogado, ou seja, a maioria dos segurados do INSS, o que acontecerá com eles? Acontecerá exatamente o que está acontecendo hoje, ou seja, mesmo sendo um procedimento ilegal e inconstitucional, a conduta continua valendo e sendo aplicada.

Essa é mais uma faceta do capitalismo globalizado e da deterioração da ética. Características essas que contaminaram, inclusive, as instituições e os serviços públicos. Características que mostram que estamos afundando num mar de banalidades, onde o homem e a dignidade humana se tornam cada vez mais irrelevantes e insignificantes.

 

Referências Bibliográficas

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Direitos Humanos e Direitos Sociais: interpretação evolutiva e segurança social. Revista do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social. São Paulo. V.1, n.1, Jan/Jun 2006.

LEIRIA, Maria Lúcia Luz. A interpretação no direito previdenciário. In Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, n. 43, 2002.

Leonildo Correa - OCW Br@sil - Direito USP - Mapa do Site

(...) Mas o que ocorreria ao mundo se cada um de nós pudesse exercer, sem censura ou medo, as suas pulsões de vingança, por mais cruéis que elas fossem? Regrediríamos, certamente, ao que os filósofos chamam de "estado de natureza", o suposto estágio que antecede o início deste em que vivemos, e que os filósofos apreciam chamar de "contrato social". Um contrato de cláusulas leoninas, segundo as quais a imensa maioria deve servir e apodrecer na miséria, na fome e na doença, enquanto uma minoria legisla e governa em causa própria, além, é claro, de enriquecer. E denominamos esse estado de absoluta discrepância de poderes com um outro adorável eufemismo: "democracia". Uma palavra que de tão falsa chega a me provoca<>r pruridos anais...

As regras, como vemos, são muito simples: eu te exploro e você me agradece (ou, como é o costume, finge agradecer). Se, por alguma incontrolável razão, você decidir se vingar... bem... para isso existem as prisões e os hospícios.

(...) E a história não nos desampara neste momento: compulsemos os melhores tratados e veremos que a verdade só triunfa quando escolhe, como aliada, a violência. Os servos só deixaram de ser espoliados quando encostaram a faca na garganta dos seus opressores. Da mesma forma, certamente também nós guardamos a lembrança dos poucos momentos em que ousamos erguer a cabeça e nos revoltamos. Aqueles minutos de prazer, semelhantes em tudo a uma deliciosa sucessão de orgasmos, foram os únicos em que ousamos ser verdadeiros, e são eles, hoje, que nos salvam do completo embotamento. (Konstantin Gravos - Texto Completo)

O sistema vigente é nosso inimigo. Mas, quando estamos dentro dele, o que vemos ? Homens de negócio, professores, advogados, marceneiros, etc. Vemos e interagimos com as mesmas pessoas que queremos salvar. Contudo, antes de salvá-las, essas pessoas fazem parte do sistema e isso faz delas nossas inimigas. Você precisa entender que a maior parte dessas pessoas não estão prontas para acordar. E muitos estão tão inertes, tão dependentes do sistema que irão lutar ferozmente para protegê-lo. (Adaptado do Filme Matrix)

Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros - Che Guevara

Quando se faz uma boa ação, há sempre quem a ache má e se queixe, e quando se faz bem a uns, faz-se mal a outros!  August Strindberg

Se o conhecimento não tem dono, então a propriedade intelectual é mais um truque do neoliberalismo. Hugo Chaves

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